domingo, 14 de outubro de 2007

O papel que tenho assumido na minha relação me satisfaz?

"São várias as razões que aproximam as pessoas e tantas outras para que permaneçam juntas"Nada que beirasse à grosseria dos últimos tempos; embora gentil, atencioso, nem quando namoravam. Nos curtos passeios de carro, era comum vê-lo tatear pelas rádios para atender ao próprio gosto. Ela ficava quieta. Também nunca o viu se esforçando em alongar uma conversa com qualquer de suas amigas, ao encontrá-las por acaso; mas quando se tratava de um dos amigos dele, aí, sim, ela ficava ali tentando entrar naquela conversa interminável. Sua irmã chegou a comentar: - O André só pensa nele.Cristina estava apaixonada demais para se importar com esses detalhes. Bobagem, com o tempo ele vai mudando, pensava.Pois mudara. Agora mal respondia ao cumprimento das amigas que vinham visitá-la, enfiava-se no quarto até que elas fossem embora. O controle da TV substituiu os botões do rádio; entrava na sala e trocava de canal, estivesse quem estivesse apreciando um programa. - É o jeitão dele, não faz por mal.Já não tinha tanta certeza, ao perceber que do marido lhe restaram as mazelas do dia-a-dia e a rabugice; enquanto as risadas, as conversas animadas, um evento agradável, só com os seus escolhidos. Fazendo troça de tudo o que ela dizia, ou mesmo destratando-a na frente das pessoas, estava sempre a constrangê-la.Ela queria manter seu casamento, mas sentia-se confusa, angustiada. Admitia a sua participação na criação do papel que veio assumindo em tantos anos de relacionamento, até que a situação chegasse ao insuportável.São várias as razões que aproximam as pessoas e tantas outras para que permaneçam juntas. Cada um tem a sua. Somos capazes de reconhecer a utopia de uma relação ideal, perfeita, da mesma forma como sabemos que mantê-la saudável exige um empenho constante, incluindo concessões cujo limite pode ser dado apenas pelos envolvidos. Alguém de fora pode achar absurdo que eu aceite esta ou aquela situação, mas só eu posso medir meus ganhos e perdas em permiti-la.Não é fácil identificar o próprio limite e manter-se fiel a ele; algumas vezes o ultrapassamos sem perceber, ou até mesmo por opção. Existem ocasiões em que pensamos "é só desta vez", quando nos damos conta, a coisa foi longe demais. Tão longe, que se torna urgente, como no caso de Cristina, a revisão dos nossos limites no contato com o outro.É quase certo que iremos encontrar uma reação adversa, mesmo porque esse outro, além de não saber o que está acontecendo comigo (porque eu não lhe disse, não lhe mostrei, ou porque não se interessa), sente-se confortável naquela situação. Assim, apenas no cotidiano poderemos descobrir como nos colocar no lugar que queremos para nós, às vezes sendo mais contundente no querer, no dizer, no fazer, outras vezes mais maleável.Nessa tarefa, além do afeto necessário a nós mesmos, para que possamos lidar com a raiva, a mágoa, a culpa, é fundamental pensarmos, também com afeto, nas necessidades do outro, que, acostumado a um padrão de comportamento, poderá levar tempo para perceber que é possível transformá-lo a favor de uma relação mais prazerosa. Pode ocorrer ainda que, por mais que façamos, ele se negue a isto. Estaremos de novo frente a uma escolha.

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