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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Lista de Natal

Neste Natal,
não quero o Papai Noel das promoções comerciais,
das ceias, dos presentes caros
embrulhados em afetos raros.

Quero o Menino Jesus
nascido no coração da manjedoura,
na esperança acesa num pasto em Belém,
Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias
e os pobres saciados de bens.

Não quero o Papai Noel das lojas enfeitadas,
do celofane brilhante das cestas de produtos importados,
das garrafas em que os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias.
Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver,
o Menino judeu arauto da paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade,
o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida,
sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração.
Quero o amor sem dor, a oração só louvor,
a fé comungada no sabor de justiça.
Não quero presentes dos ausentes,
a litúrgica reverência às mercadorias,
a romaria pagã aos templos consumistas dos shopping-centers.

Quero o pão na boca da criança faminta,
a paz que se alarga dos espíritos atribulados aos campos de batalha,
o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produtos
entre mãos que não se abrem em solidariedade,
compaixão e carinho despudorado.
Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo,
semeando ternura em todos os canteiros
em que as pedras sufocam as flores.

Não quero esse ruído urbano que esmaga a alma,
os ouvidos aprisionados aos telefones,
o olfato condenado por odores insalubres,
a boca em cascatas de palavras inúteis,
despidas de verdade e sentido.

Quero o silêncio indevassável de meu próprio mistério,
o canto harmônico da natureza,
a mão que se estende para que o outro se erga,
a fraternura dos amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros,
as promessas viciadas dos políticos,
os cartões impressos a granel,
cheios de colorido e vazios de originalidade.

Quero as evocações mais ternas:
o cheiro do café coado de manhã por minha avó,
o som do sino da matriz,
o rádio Philco exalando sabonete Eucalol
enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares
que se guardam como poeira nas dobras da alma,
as invejas que me alienam de mim mesmo,
as ambições que me tornam tristes
como as galinhas, que têm asas e não voam.

Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja,
a cabeça curvada ao Transcendente,
a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos,
nem disfarçarei em algodão a neve
que se amontoa em meus dessentimentos
ou prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença.

Quero o segredar dos anjos,
a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito,
a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados.

Não viajarei para longe de mim mesmo,
à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro,
falando um idioma cujo significado me escapa.

Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade,
lá onde as palavras se calam
e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes,
panetones e carnes gordas.
Nem deixarei o que me resta de sensatez
resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada.

Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão,
a entornar de vinho cálices alados,
e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças.

Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo,
nem acenderei velas aos guardiães do Inferno.
Não serei o alpinista de cobiças desmedidas,
nem o coveiro de utopias libertárias.

Desfraldarei sobre o telhado
a bandeira de sonhos inconfessos
e semearei estrelas no jardim de meus encantos,
lá onde cultivo essa doce paixão
que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, farei de minhas gravatas uma imensa corda
para enforcar o cinismo das convenções sociais
e descerei um por um os degraus dos podres poderes,
até ingressar nos subterrâneos repletos de luz dos servos da esperança.

Não sonegarei sentimentos e encantos.

Não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam,
nem irei às ceias dos que se devoram.
Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes,
nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.

Alimentado como um pássaro,
sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos;
dançarei aleluias entre as galáxias da Via Láctea
e, pela manhã, em cada raio de sol injetarei poesia
para que todos acordem inebriados
como se fossem borboletas livres do casulo.

Neste Natal,
de mãos dadas com o Menino,
deixarei que as águas lavem o avesso de minha pele
e, em seguida, caminharemos silentes rumo ao futuro
com os olhos fixos no Menino
para que seu verbo se faça carne em meu coração de pedra,
cuidando para que ele cresça despregado da cruz,
exaltado pela vitória inelutável da Ressurreição.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Lista de Natal

Neste Natal,
não quero o Papai Noel das promoções comerciais,
das ceias, dos presentes caros
embrulhados em afetos raros.

Quero o Menino Jesus
nascido no coração da manjedoura,
na esperança acesa num pasto em Belém,
Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias
e os pobres saciados de bens.

Não quero o Papai Noel das lojas enfeitadas,
do celofane brilhante das cestas de produtos importados,
das garrafas em que os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias.
Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver,
o Menino judeu arauto da paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade,
o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida,
sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração.
Quero o amor sem dor, a oração só louvor,
a fé comungada no sabor de justiça.
Não quero presentes dos ausentes,
a litúrgica reverência às mercadorias,
a romaria pagã aos templos consumistas dos shopping-centers.

Quero o pão na boca da criança faminta,
a paz que se alarga dos espíritos atribulados aos campos de batalha,
o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produtos
entre mãos que não se abrem em solidariedade,
compaixão e carinho despudorado.
Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo,
semeando ternura em todos os canteiros
em que as pedras sufocam as flores.

Não quero esse ruído urbano que esmaga a alma,
os ouvidos aprisionados aos telefones,
o olfato condenado por odores insalubres,
a boca em cascatas de palavras inúteis,
despidas de verdade e sentido.

Quero o silêncio indevassável de meu próprio mistério,
o canto harmônico da natureza,
a mão que se estende para que o outro se erga,
a fraternura dos amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros,
as promessas viciadas dos políticos,
os cartões impressos a granel,
cheios de colorido e vazios de originalidade.

Quero as evocações mais ternas:
o cheiro do café coado de manhã por minha avó,
o som do sino da matriz,
o rádio Philco exalando sabonete Eucalol
enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares
que se guardam como poeira nas dobras da alma,
as invejas que me alienam de mim mesmo,
as ambições que me tornam tristes
como as galinhas, que têm asas e não voam.

Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja,
a cabeça curvada ao Transcendente,
a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos,
nem disfarçarei em algodão a neve
que se amontoa em meus dessentimentos
ou prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença.

Quero o segredar dos anjos,
a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito,
a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados.

Não viajarei para longe de mim mesmo,
à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro,
falando um idioma cujo significado me escapa.

Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade,
lá onde as palavras se calam
e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes,
panetones e carnes gordas.
Nem deixarei o que me resta de sensatez
resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada.

Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão,
a entornar de vinho cálices alados,
e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças.

Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo,
nem acenderei velas aos guardiães do Inferno.
Não serei o alpinista de cobiças desmedidas,
nem o coveiro de utopias libertárias.

Desfraldarei sobre o telhado
a bandeira de sonhos inconfessos
e semearei estrelas no jardim de meus encantos,
lá onde cultivo essa doce paixão
que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, farei de minhas gravatas uma imensa corda
para enforcar o cinismo das convenções sociais
e descerei um por um os degraus dos podres poderes,
até ingressar nos subterrâneos repletos de luz dos servos da esperança.

Não sonegarei sentimentos e encantos.

Não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam,
nem irei às ceias dos que se devoram.
Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes,
nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.

Alimentado como um pássaro,
sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos;
dançarei aleluias entre as galáxias da Via Láctea
e, pela manhã, em cada raio de sol injetarei poesia
para que todos acordem inebriados
como se fossem borboletas livres do casulo.

Neste Natal,
de mãos dadas com o Menino,
deixarei que as águas lavem o avesso de minha pele
e, em seguida, caminharemos silentes rumo ao futuro
com os olhos fixos no Menino
para que seu verbo se faça carne em meu coração de pedra,
cuidando para que ele cresça despregado da cruz,
exaltado pela vitória inelutável da Ressurreição

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Lista de Natal

Neste Natal,
não quero o Papai Noel das promoções comerciais,
das ceias, dos presentes caros
embrulhados em afetos raros.


Quero o Menino Jesus
nascido no coração da manjedoura,
na esperança acesa num pasto em Belém,
Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias
e os pobres saciados de bens.


Não quero o Papai Noel das lojas enfeitadas,
do celofane brilhante das cestas de produtos importados,
das garrafas em que os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias.
Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver,
o Menino judeu arauto da paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade,
o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida,
sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração.
Quero o amor sem dor, a oração só louvor,
a fé comungada no sabor de justiça.
Não quero presentes dos ausentes,
a litúrgica reverência às mercadorias,
a romaria pagã aos templos consumistas dos shopping-centers.

Quero o pão na boca da criança faminta,
a paz que se alarga dos espíritos atribulados aos campos de batalha,
o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produtos
entre mãos que não se abrem em solidariedade,
compaixão e carinho despudorado.
Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo,
semeando ternura em todos os canteiros
em que as pedras sufocam as flores.

Não quero esse ruído urbano que esmaga a alma,
os ouvidos aprisionados aos telefones,
o olfato condenado por odores insalubres,
a boca em cascatas de palavras inúteis,
despidas de verdade e sentido.

Quero o silêncio indevassável de meu próprio mistério,
o canto harmônico da natureza,
a mão que se estende para que o outro se erga,
a fraternura dos amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros,
as promessas viciadas dos políticos,
os cartões impressos a granel,
cheios de colorido e vazios de originalidade.

Quero as evocações mais ternas:
o cheiro do café coado de manhã por minha avó,
o som do sino da matriz,
o rádio Philco exalando sabonete Eucalol
enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares
que se guardam como poeira nas dobras da alma,
as invejas que me alienam de mim mesmo,
as ambições que me tornam tristes
como as galinhas, que têm asas e não voam.

Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja,
a cabeça curvada ao Transcendente,
a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos,
nem disfarçarei em algodão a neve
que se amontoa em meus dessentimentos
ou prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença.

Quero o segredar dos anjos,
a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito,
a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados.


Não viajarei para longe de mim mesmo,
à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro,
falando um idioma cujo significado me escapa.

Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade,
lá onde as palavras se calam
e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes,
panetones e carnes gordas.
Nem deixarei o que me resta de sensatez
resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada.

Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão,
a entornar de vinho cálices alados,
e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças.


Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo,
nem acenderei velas aos guardiães do Inferno.
Não serei o alpinista de cobiças desmedidas,
nem o coveiro de utopias libertárias.

Desfraldarei sobre o telhado
a bandeira de sonhos inconfessos
e semearei estrelas no jardim de meus encantos,
lá onde cultivo essa doce paixão
que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, farei de minhas gravatas uma imensa corda
para enforcar o cinismo das convenções sociais
e descerei um por um os degraus dos podres poderes,
até ingressar nos subterrâneos repletos de luz dos servos da esperança.

Não sonegarei sentimentos e encantos.


Não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam,
nem irei às ceias dos que se devoram.
Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes,
nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.


Alimentado como um pássaro,
sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos;
dançarei aleluias entre as galáxias da Via Láctea
e, pela manhã, em cada raio de sol injetarei poesia
para que todos acordem inebriados
como se fossem borboletas livres do casulo.

Neste Natal,
de mãos dadas com o Menino,
deixarei que as águas lavem o avesso de minha pele
e, em seguida, caminharemos silentes rumo ao futuro
com os olhos fixos no Menino
para que seu verbo se faça carne em meu coração de pedra,
cuidando para que ele cresça despregado da cruz,
exaltado pela vitória inelutável da Ressurreição.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ecologia Interior

Por um minuto, esquece a poluição do ar e do mar, a química que contamina a terra e envenena os alimentos, e medita: como anda o teu equilíbrio eco-biológico?

Tens dialogado com teus órgãos interiores? Acariciado o teu coração?

Respeitas a delicadeza de teu estômago? Acompanhas mentalmente teu fluxo sanguíneo? Teus pensamentos são poluídos?

As palavras, ácidas? Os gestos, agressivos? Quantos esgotos fétidos correm em tua alma?

Quantos entulhos - mágoas, ira, inveja - se amontoam em teu espírito?

Examina a tua mente.

Está despoluída de ambições desmedidas, preguiça intelectual e intenções inconfessáveis?

Teus passos sujam os caminhos de lama, deixando um rastro de tristeza e desalento?

Teu humor intoxica-se de raiva e arrogância?

Onde estão as flores do teu bem-querer, os pássaros pousados em teu olhar, as águas cristalinas de tuas palavras?

Por que teu temperamento ferve com freqüência e expele tanta fuligem pelas chaminés de tua intolerância?

Não desperdiça a vida queimando a tua língua com as nódoas de teus comentários infundados sobre a vida alheia.

Preserva o teu ambiente, investe em tua qualidade de vida, purifica o espaço em que transitas.

Limpa os teus olhos das ilusões de poder, fama e riqueza, antes que fiques cego e tenhas os passos desviados para a estrada dessinalizada dos rumos da ética.

Ela é cheia de buracos e podes enterrar o teu caminho num deles.

Tu és, como eu, um ser frágil, ainda que julgues fortes os semelhantes que merecem a tua reverência.

Somos todos feitos de barro e sopro.

Finos copos de cristal que se quebram ao menor atrito: uma palavra descuidada, um gesto que machuca, uma desconfiança que perdura.

Graças ao Espírito que molda e anima o teu ser, o copo partido se reconstitui, inteiro, se fores capaz de amar.

Primeiro, a ti mesmo, impedindo que a tua subjetividade se afogue nas marés negativas.

Depois, a teus semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão, sem jamais sacrificar o respeito e a justiça.

Livra a tua vida de tantos lixos acumulados.

Atira pela janela as caixas que guardam mágoas e tantas fichas de tua contabilidade com os supostos débitos de outrem.

Vive o teu dia como se fosse a data de teu renascer para o melhor de ti mesmo - e os outros te receberão como dom de amor.

Pratica a difícil arte do silêncio.

Desliga-te das preocupações inúteis, das recordações amargas, das inquietações que transcendem o teu poder.

Recolhe-te no mais íntimo de ti mesmo, mergulha em teu oceano de mistério e descobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda a tua identidade.

Guarda este ensinamento: por vezes é preciso fechar os olhos para ver melhor.

Acolhe a tua vida como ela é: uma dádiva involuntária.

Não pediste para nascer e, agora, não desejas morrer.

Faz dessa gratuidade uma aventura amorosa.

Não sofras por dar valor ao que não merece importância.

Trata a todos como igual, ainda que estejam revestidos ilusoriamente de nobreza ou se mostrem realmente como seres carcomidos pela miséria.

Faz da justiça o teu modo de ser e jamais te envergonhes de tua pobreza, de tua falta de conhecimentos ou de poder.

Ninguém é mais culto do que o outro.

O que existem são culturas distintas e socialmente complementares.

O que seria do erudito sem a arte culinária da cozinheira analfabeta?

Tua riqueza e teu poder residem em tua moral e dignidade, que não têm preço e te trazem apreço. Porém, arma-te de indignação e esperança.

Luta para que todos os caminhos sejam aplainados, até que a espécie humana se descubra como uma só família, na qual todos, malgrado as diferenças, tenham iguais direitos e oportunidades.

E estejas convicto de que convergimos todos para Aquele que, supremo Atrator, impregnou-nos dessa energia que nos permite conhecer a abissal distância que há entre a opressão e a libertação.

Faze de cada segundo de teu existir uma oração.

E terás força para expulsar os vendilhões do templo, operar milagres e disseminar a ternura como plenitude de todos os direitos humanos.

Ainda que estejas cercado de adversidades, se preservares a tua ecobiologia interior serás feliz, porque trarás em teu coração tesouros indevassáveis.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Meu lado mulher

Meu lado mulher
se incomoda em receber mensagens
apenas um dia por ano (8 de março),
enquanto que meu
lado homem se enche com 364 dias.
Talvez seja necessária esta efeméride,
dor recente de uma antiga cicatriz.
Porque se vive numa sociedade machista:
matrimônio, o cuidado do lar; patrimônio,
o domínio sobre os bens.
O marido possui o carro, a casa e a mulher,
que inclusive, em alguns países,
incorpora o sobrenome da família dele.
Ele exige que limpe a casa todo dia.
Manda o carro para a oficina ao menor defeito.
À mulher, ser multifacetado,
cabe o dever de cuidar da casa,
dos filhos,
das compras e do bom humor do marido,
que nem sempre se lembra de cuidar dela.

Meu lado mulher nunca viu o marido
gritar com o carro,
ameaçá-lo ou agredi-lo.
Enquanto nem ela é sempre tratada
com tanto respeito.
Na Igreja Católica os homens têm acesso
aos sete sacramentos.
Podem até ser ordenados sacerdotes e,
mais adiante,
obter dispensa do ministério e
contrair matrimônio.
As mulheres,
consideradas pela teologia
vaticana um ser naturalmente inferior,
só têm acesso a seis sacramentos.
Não podem receber a ordenação sacerdotal,
mesmo tendo merecido
de Jesus o útero que o engendrou;
o seguimento de Joana,
de Susana e da mãe dos filhos de Zebedeu;
a defesa da mulher adúltera;
o perdão da samaritana;
a amizade de Madalena,
primeira testemunha da sua ressurreição.

Meu lado mulher
tem pavor da violência doméstica;
do pai que assedia a filha,
enviando-a a perdição da prostituição;
do patrão que exige favores sexuais de sua funcionária;
do marido que levanta a mão para profanar
o ser que deu a luz a seus filhos.
Diante do televisor ou de um molho de revistas
meu lado mulher se estremece:
Cala a boca, Magda! Ela é burra,
a imbecil que move as cadeiras no fundo do cenário,
se mete na banheira do Gugu,
se expõe na casa do brother,
se associa à publicidade de cervejas e carros,
como um adereço a mais de consumo.

Meu lado mulher trata de resistir
diante do implacável jogo da
desconstrução do feminino:
tortura do corpo em academias de ginástica,
anorexia para manter-se esbelta,
vergonha das gorduras,
das rugas e da velhice,
entrega ao bisturi para que amolde a carne
ao gosto da clientela da carnificina virtual,
o silicone para ressaltar protuberâncias.
E manter a boca fechada,
até que haja no mercado um chip transmissor
automático de cultura e inteligência que
se possa enxertar no cérebro.
E engolir antidepressivos para tratar
de encobrir o buraco no espírito,
vazio de sentido, ideais e utopia.

Meu lado mulher
se esforça por se livrar do modelo
emancipatório que adota,
como paradigma, meu lado homem.
Será que ela tenta não querer ser como ele?
Navega em mares nunca dantes navegados,
rumo ao continente feminino,
onde as relações de gênero serão de alteridade,
porque o diferente não se fará divergente.
Aquilo que é só terá plenitude em
interação com seu contrário.
Como acontece em todo verdadeiro amor.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O Desempregado

Apresentou-se na firma de colocação de mão-de-obra.

Após horas na fila de desempregados, chegou a sua vez de ser entrevistado:
- Sabe fazer o quê?
- Bem, entendo de construção civil, meu pai trabalhava no ramo. Gosto de culinária e acho que não me daria mal na agricultura.
- Hum, Hum.

O que tem feito ultimamente?
- Sou andarilho, espalho novas idéias e boas notícias.
- Ora, isso tudo é muito vago.

Quero saber quais são as suas aptidões.
- Sou bom em recursos humanos.

Sei organizar grupos e incentivar pessoas.
- Considera-se um homem dotado de espírito de competitividade?
- Sou mais pela solidariedade.

Gosto de somar esforços, unir o que está dividido, quebrar distâncias, incluir os excluídos.
- Na área da saúde, tem algum conhecimento?
- Sim, às vezes faço curas por aí.
- Isso é exercício ilegal da medicina. Só os médicos e os medicamentos cientificamente comprovados podem curar.

Ou será que você também embarcou nessa onda de que meditação cura?
- É, meditação traz boa saúde.

É o meu caso. Medito todas as manhãs ou ao anoitecer.

Às vezes passo toda a noite meditando.

E, como vê, gozo de muito boa saúde.
- Que mais sabe fazer?
- Sei pescar, preparar anzóis, monitorar uma embarcação e até assar peixes.
- Bem, no momento não há procura neste ramo. Os japoneses já ocuparam todas as vagas. Se fosse escolher uma profissão, qual seria?
- A de publicitário.

Creio que sou bom de propaganda.
- Que tipo de produto gostaria de vender?
- A felicidade.
- A felicidade?
- Sim, como o senhor escutou.
- Meu caro, a felicidade é o bem mais procurado do mundo. É uma demanda infinita.

É o que todo mundo busca. Só que ninguém ainda descobriu como oferecê-la no mercado.

O máximo que temos conseguido é tentar convencer que ela resulta da soma dos prazeres.
- Como assim?
- Se você usar esta roupa, tomar aquela bebida, passar no cabelo aquele produto, viajar para tal lugar, você haverá de encontrar a felicidade.
- Mas isso é enganar a freguesia.

A felicidade não se confunde com nenhum bem de posse. Ela só pode ser encontrada no amor.
- Bela teoria!

E pensa que as pessoas não têm medo de amar?
- Têm medo porque não têm fé.

Se acreditassem em alguém e em si mesmas, amariam despudoradamente.
- Vejo que você é mesmo bom de lábia.

Quer um emprego de vendedor de cosméticos?
- Prefiro não vender ilusões.

Melhor oferecer esperanças.
- Esperanças? Do jeito que o mundo está? Cara, trate de ganhar seu dinheiro.

Hoje em dia é cada um por si e Deus por ninguém.
- Não penso assim. Se houver esperança de um futuro melhor, haverá indignação frente ao presente injusto.

Então as pessoas haverão de mudar as coisas.
- Pelo que vejo você gosta de política.
- Não sou político, mas exerço o meu direito de cidadania.

Defendo os direitos dos pobres.
- Desconfio que você é um desses vagabundos utópicos que nas praças divertem os jovens aos domingos.

Você bebe?
- Só vinho.
- Como é o seu nome?
- Jesus, mas pode me chamar de Emanuel.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Lista de Natal

Neste Natal,
não quero o Papai Noel das promoções comerciais,
das ceias, dos presentes caros
embrulhados em afetos raros.


Quero o Menino Jesus
nascido no coração da manjedoura,
na esperança acesa num pasto em Belém,
Maria a cantar que os abastados serão despedidos de mãos vazias
e os pobres saciados de bens.


Não quero o Papai Noel das lojas enfeitadas,
do celofane brilhante das cestas de produtos importados,
das garrafas em que os néscios afogam tristezas rotuladas de alegrias.
Quero o Menino palestino em busca de uma terra onde nascer e viver,
o Menino judeu arauto da paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade,
o Menino poupado da estupidez das guerras.

Neste Natal dispenso abraços protocolares e sorrisos sob medida,
sentimentos retóricos e emoções que encobrem a aridez do coração.
Quero o amor sem dor, a oração só louvor,
a fé comungada no sabor de justiça.
Não quero presentes dos ausentes,
a litúrgica reverência às mercadorias,
a romaria pagã aos templos consumistas dos shopping-centers.

Quero o pão na boca da criança faminta,
a paz que se alarga dos espíritos atribulados aos campos de batalha,
o gozo de contemplar o Invisível.

Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produtos
entre mãos que não se abrem em solidariedade,
compaixão e carinho despudorado.
Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo,
semeando ternura em todos os canteiros
em que as pedras sufocam as flores.

Não quero esse ruído urbano que esmaga a alma,
os ouvidos aprisionados aos telefones,
o olfato condenado por odores insalubres,
a boca em cascatas de palavras inúteis,
despidas de verdade e sentido.

Quero o silêncio indevassável de meu próprio mistério,
o canto harmônico da natureza,
a mão que se estende para que o outro se erga,
a fraternura dos amigos abençoados pela cumplicidade perene.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financeiros,
as promessas viciadas dos políticos,
os cartões impressos a granel,
cheios de colorido e vazios de originalidade.

Quero as evocações mais ternas:
o cheiro do café coado de manhã por minha avó,
o som do sino da matriz,
o rádio Philco exalando sabonete Eucalol
enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras familiares
que se guardam como poeira nas dobras da alma,
as invejas que me alienam de mim mesmo,
as ambições que me tornam tristes
como as galinhas, que têm asas e não voam.

Quero os joelhos dobrados no átrio da igreja,
a cabeça curvada ao Transcendente,
a perplexidade de José diante da gravidez inusitada de Maria.

Neste Natal, não irei às ruas febris dos mercadores de bens finitos,
nem disfarçarei em algodão a neve
que se amontoa em meus dessentimentos
ou prenderei falsas sinetas no frontispício de minha indiferença.

Quero o segredar dos anjos,
a alegria desdentada de um pobre reconhecido em seu direito,
a euforia imaculada de um bebê acolhido em braços amados.


Não viajarei para longe de mim mesmo,
à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro,
falando um idioma cujo significado me escapa.

Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade,
lá onde as palavras se calam
e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes,
panetones e carnes gordas.
Nem deixarei o que me resta de sensatez
resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada.

Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão,
a entornar de vinho cálices alados,
e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças.


Não rezarei pela bíblia dos que professam o medo,
nem acenderei velas aos guardiães do Inferno.
Não serei o alpinista de cobiças desmedidas,
nem o coveiro de utopias libertárias.

Desfraldarei sobre o telhado
a bandeira de sonhos inconfessos
e semearei estrelas no jardim de meus encantos,
lá onde cultivo essa doce paixão
que me faz sofrer de saudades do que é terno.

Neste Natal, farei de minhas gravatas uma imensa corda
para enforcar o cinismo das convenções sociais
e descerei um por um os degraus dos podres poderes,
até ingressar nos subterrâneos repletos de luz dos servos da esperança.

Não sonegarei sentimentos e encantos.


Não aceitarei os brindes de mãos que não se tocam,
nem irei às ceias dos que se devoram.
Não comerei do bolo que empanturra corações e mentes,
nem deixarei que a aurora do Menino me surpreenda empanzinado de sono.


Alimentado como um pássaro,
sairei na noite feliz guiado pela estrela dos magos;
dançarei aleluias entre as galáxias da Via Láctea
e, pela manhã, em cada raio de sol injetarei poesia
para que todos acordem inebriados
como se fossem borboletas livres do casulo.

Neste Natal,
de mãos dadas com o Menino,
deixarei que as águas lavem o avesso de minha pele
e, em seguida, caminharemos silentes rumo ao futuro
com os olhos fixos no Menino
para que seu verbo se faça carne em meu coração de pedra,
cuidando para que ele cresça despregado da cruz,
exaltado pela vitória inelutável da Ressurreição.