sábado, 2 de agosto de 2008

ESPINHOS DO CRISTO

Nos exames mentais que realizas, defrontas, como companheira, a soledade, em contínuos colóquios com o teu coração. Nesses demorados estados dalma, pretendias escutar voz amiga, de outra procedência, em diálogo envolvente contigo. Ante a impossibilidade, num caminho assinalado pela dor íntima, intraduzível, dás vazão às lágrimas, como se o orvalho da emotividade fizesse reverdecer os jardins da esperança, cultivados a longo esforço, em faina contínua, quase dolorosa.

A aflição espia teus planos e surpreende-te a cada passo, dilacerando os melhores acarinhados sonhos de paz, na seara das realizações enobrecidas. Amigos que debandam, conhecidos que desertam, afetos que se distanciam e a mordacidade de quase todos eles, em se referindo a ti, são lâminas aguçadas que te retalham as expressões de amor com que a todos poderias envolver.

Aqui, a incompreensão sutilmente estabeleceu quartel e a intriga se engalanou de triunfos arbitrários, esfacelando os programas dignificantes, que, então, jazem ao abandono. Ali, a maledicência, vitalizada pelo despeito, desdobrou seus tentáculos esmagadores e o veneno da vaidade contaminou incautos para os vencer, de imediato. Acolá, o cipoal da malícia se desdobrou, pernicioso, e ninguém se atreveu a destroçá-lo, receando enrodilhar-se nele e padecer-lhe a constrição.

Em toda parte as sombras se adensaram gerando receios que se multiplicaram, como ameaçando a preciosa claridade solar.

Supões-te, então, vencido, senão cansado da luta inglória, na fauna humana, no pantanal de tantas paixões...

Conquanto o desbordar de bênçãos que somam misericórdias divinas em volume crescente, permanecem, também, as dificuldades onde não deviam medrar nem persistir, em atentado violento ao amor, qual se a conspiração do mal pudesse levar de vencida o sublime destino do bem, a que todos aspiramos.

Não desfaleças, porém, nem te entregues à rebeldia.

O fanal da luta é a coroa do esforço.

O Reino dos Céus desde há muito se aproxima da Terra, todavia, não se encontra, ainda, estabelecido entre os homens.

Os dois braços abertos do Cristo na Cruz são convite à fraternidade, que não ignoras. O Seu martírio, no entanto, é a resposta às tuas queixas e solicitações gritadas no altar íntimo, nas horas de sofrimento, que somente a oração consegue lenir.

Aquele que se afeiçoa ao Cristo deve marchar assinalado... Dele é o “espinho na carne”, como sendo Sua presença inamovível, ignorada pelos outros, colocando-nos em contínua vigília, a fim de que a imprudência ou o desaviso não nos surpreendam a jornada a fora. São as Suas doações aos que O amam.

...”Porquoi je NE suis pas semblable au jeune oiseau?!(*) — indagava minha alma jovem na primavera infantil, acompanhando o livre e descontraído vôo das avezinhas, supondo-as longe do sofrimento, a deslizarem nos rios do vento, nos cenários da Natureza em festa. Quantas vezes, todavia, posteriormente, as vi destroçadas pelas certeiras pontarias da impiedade, jazendo sem ninho e sem vida, após os agudos golpes da morte!...

Somos, também, aves do Senhor, ansiosas por despir as roupagens pesadas e seguir na direção do ninho celeste.

Muito temos que vencer e superar, até o instante em que nos libertaremos da pesada plumagem, que, ao invés de nos alçar à vida, nos retém no barro orgânico.

A vitória, seja da insensatez ou do crime, é temporária. Desfaz-se em realidade, ante a luz do bem, como a miragem se dilui no desencanto da desolação.

Somente o dever, retamente exercido, constitui triunfo do espírito sobre a matéria, no investimento corporal.

Mesmo que a tentação do descoroçoamento e da fuga ameace-te a tarefa empreendida, persiste e persevera atuante na ação superior, recordando, na soledade e na amargura, que a Ressurreição gloriosa foi somente possível porque se fez preceder da morte ultrajante e solitária do Justo, que continua sendo nosso perene Modelo e Benfeitor, acenando-nos permanente madrugada para o futuro.

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