sábado, 15 de novembro de 2008

A NOITE É UMA LEMBRANÇA

É de principiante isso de se escrever que se está numa janela, vendo a noite e olhando para o mar.
Mesmo sendo o mar um encontro muito desejado, não gosto da sem-cerimônia com que me faço personagem de mais umas linhas, como se eu, a noite e o mar ainda fôssemos novidade.
Entretanto, alguns acontecimentos espirituais do homem podem ser contados e explicados, desde que esse homem seja capaz de transmitir a alguém a beleza de sua solidão e amargura infinita. Que ninguém se queixe de falta de ocorrências para escrever melhor e sim, para gritar o seu grande mundo interior.
Eu vim à janela porque conheci uma môça e estou preocupado em como a venho pensando, há algum tempo.
Os cabelos, os olhos, a boca, as mãos e o silêncio.
Também a palavra vagarosa, que perguntava de vez em quando sobre uma verdade já velha ou sobre uma mentira mais em moda. Mas para isso, além de ser preciso confiar, teria que pedir a palavra e se imponentizar de tal maneira que me assustaria à sua volta, após assustar-se também consigo mesma.
O que dizia eram curtas perguntas.
O que fazia era pouco e casual.
Mesmo assim eu a advinhava sábia e corajosa.
Muitas vezes só se escreve assim de uma môça quando por ela se sente uma dessas súbitas emoções muito parecidas com o chamado amor à primeira vista.
Mas isto eu sabia que isso era impossível, por razão óbvia e em meu caso essas impressões já não me confundem.
Uma môça me empolga assim que a sinto gente, e nela me perco, de descoberta em descoberta, sem me consentir a mínima desconfiança de estar amando-a, em qualquer das maneiras antigas ou atuais de se amar alguém.
Uma môça-gente me atrai aos seus mistérios e, no tempo em que tento desvendá-los, só acrescento dúvidas à minha ausência de conhecimento inicial.
Apesar disso, é dever do homem-gente deixar que seu pensamento se demore nas lembranças de sua conhecida recente.
Amor é outra coisa.
Amor a gente espera como o pescador espera pelo seu peixe, ou o devoto espera pelo seu milagre: em silêncio, sem se impacientar com a demora.
E amor a gente não conta pelo jornal a não ser quando o sentimento trai a frase, juntando palavras que deviam estar eternamente separadas.
Cá estou, porém, nesta janela que não me deixa mentir, em frente à noite de que sou uma espécie de filho de criação, a repassar lembranças de uma môça que, de mim, se muito recordar, recordará meu nome.
Eu também a esquecerei, mas sòmente daqui a quatro ou cinco décadas, quando já não serei mais ninguém e nem estarei mais por aqui.
Agora, faz-me bem, inclusive sofrê-la um pouco.
É tarde.
Deveria ir para a cama.
Todavia, não seria correto. Numa môça, a gente pensa na janela, tomando um suco de laranja e observando o infinito mar.

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