domingo, 19 de abril de 2009

Jesus, o homem - I

CONSIDERAÇÕES GERAIS
HISTORIADORES (NÃO ESPÍRITAS)

Os pseudo-epígrafos do Velho Testamento, os Manuscritos do Mar Morto, os Códices Nag-Hammadi, um manuscrito árabe que contem uma versão do testemunho do historiador judeu Josefo sobre Jesus, as escavações arqueológicas na Palestina, especialmente em Cafarnaum e Jerusalém, levam-nos a especular sobre um Jesus histórico que supera o Jesus Mítico em sabedoria, espiritualidade e divindade.

“(...) agora já não podemos conhecer qualquer coisa sobre a vida e a personalidade de Jesus, uma vez que as primitivas fontes cristas não demonstram interesse por qualquer das duas coisas, sendo alem disso, fragmentarias e muitas vezes lendárias; e não existem outras fontes sobre Jesus”

Assim se expressou RUDOLF BULTMANN, consagrado professor da Universidade de Marburg.

Mas, em nossos dias, a opinião que predomina é que podemos conhecer muito bem o que Jesus queria fazer, podemos saber muito sobre o que ele disse.

R. BULTMANN, na primeira pagina da sua THEOLOGY OF NEW TESTAMENT, fez uma afirmação ao mesmo tempo audaz e sucinta:

“A mensagem de Jesus é antes um pressuposto para a Teologia do Novo Testamento do que uma parte dessa Teologia (...). Assim, o pensamento teológico- a Teologia do Novo Testamento- tem inicio com o QUERIGMA da igreja primitiva, e não antes”.

Esclarecemos que o temo QUERIGMA é o mesmo que mensagem, proclamação, pregação. Mais tarde este termo passou a designar a pregação da Cristandade Primitiva a respeito de Jesus.

Num esboço da Teologia do Novo Testamento, ainda não encontramos elementos que permitam omitir de seu contexto a Mensagem de Jesus. Não podemos reduzir a vida e o pensamento de Jesus, a um contexto estritamente histórico.

Os sonhos, as idéias, os símbolos e os termos de seus primeiros seguidores foram certamente herdados por Jesus de um modo direto. Vemos tais sonhos, idéias, símbolos e termos profundamente entranhados no mundo e no pensamento do Judaísmo Antigo.

Vejamos a seguir a abordagem de BULTMANN logo ao inicio da Teologia do Novo Testamento:

“é de importância primordial para a tradição do Evangelho a integração do ministério terreno de Jesus e do querigma, para que o primeiro se torne a base que sustenta o segundo. Essa “rememoracao” de Jesus permanece sendo, especialmente nos grandes Evangelhos, a intenção primaria (...). Se desejarmos representar a Teologia do Novo Testamento de acordo com sua estrutura intrínseca, temos então de começar com a questão do Jesus terreno”.

Os documentos do Novo Testamento, bem como suas Teologias e suas tendências não podem ser representadas sem considerarmos a vida singular de Jesus, um símbolo de autoridade, mais do que isto, um paradigma para escritores do Novo Testamento. O Novo Testamento e toda a Teologia Crista se desenvolveu da crise e da conseqüente tensão gerada no confronto entre tradição e adição, entre historia relembrada e fé articulada. Não temos medo em afirmar, ser a Teologia tradicional, firmada em bases dogmáticas e numa fé articulada para atender a interesses de grupos sectários.

Duzentos anos de pesquisa não foram suficientes para se produzir um Jesus histórico. Ao nosso ver uma biografia de Jesus é e será sempre impossível. As informações que nos tem chegado a respeito de Jesus são escassas, algumas são truncadas e os próprios evangelistas não se interessaram muito em Jesus como uma pessoa do passado ou como um homem do mundo.

Entre os Espíritas há os que não se interessam pela pesquisa do Jesus homem, do Jesus inserido no contexto do mundo, ou ainda, do Jesus histórico. Afirmam que seus ensinamentos devem ser o único alvo. Concordamos que a mensagem de Jesus deva ser tratada prioritariamente, mas se conhecermos uma pouco mais sobre o Mestre Nazareno, certamente seus ensinamentos serão melhor compreendidos.

Retornemos aos Historiadores.

Certos aspectos específicos da vida de Jesus eram essenciais para a vida e o pensamento quotidiano de seus primeiros apóstolos: conhecer Jesus era o primeiro passo para conhecer sua filosofia, seu posicionamento diante dos fatos sociais, políticos e religiosos da época.

A vida levada por Jesus somada a antigas tradições formativas fez com que seus seguidores aprendessem a pensar, ensinar e até suportar sofrimentos, até mesmo o martírio. No primeiro século reinava

entre cristãos e judeus a crença de que o presente estava impregnado de futuras expectativas.

As tradições sobre Jesus nos Evangelhos resultam de pregações, ensinamentos e polemicas conflitantes com os judeus.

Como foram escritos os Evangelhos?

Marcos, em algum instante por volta de 70 de nossa era, compôs o primeiro Evangelho, recorrendo a um complexo de tradições que refletia não apenas o que vinha ocorrendo desde a crucificação de Jesus no ano 30 d.C., mas também as ações lembradas e as palavras de Jesus anteriores ao ano 30.

Mateus e Lucas dependeram de Marcos, não do moderno e eclético texto grego de Marcos. João possivelmente, também conheceu Marcos e dele herdou a criação literária ou seja o gênero “evangelho”. Todos os evangelistas herdaram tradições, algumas das quais só pertenciam a um deles. Cada evangelista escreveu a partir de uma perspectiva sociológica e teológica distinta.

Mas podemos formular algumas outras perguntas para completar a primeira:

Que fontes estavam a disposição de Marcos e dos outros evangelista? Até onde eram autenticas? Como se pode confiavelmente distinguir entre o verdadeiro e o falso? O que é digno de confiança e o que é fabricado? Como foram significativamente moldadas as tradições dos evangelistas pelo processo de transmissão? Será que alguém durante a vida de Jesus deixou por escrito alguma coisa sobre o que ele ensinara?

Infelizmente estas e outras pergunta similares continuam sem respostas conclusivas. Mas isto não deve desanimar os historiadores.

Não devemos desavisadamente ignorar a mais simples das questões: como poderemos explicar o aparecimento de um evangelho? O que o precedeu? Como foi possível para Marcos fazer o que fez, se tudo o que o precedeu foram querigmas ou proclamações desprovidas de qualquer interesse ou conteúdo históricos?

O fato é que, desde as primeiras décadas do movimento associado a Jesus, houve algum interesse histórico no homem Jesus de Nazaré: isto o prova a mera existência dos Evangelhos- que incluem a celebração da vida e dos ensinamentos de Jesus anterior a Páscoa.

Os Evangelhos contam a historia dos feitos e dos ensinamentos de um homem. Não apenas Lucas (1:1-4) e João (21:25), mas também Marcos e Mateus indicam que o interesse no Jesus que precedeu a Páscoa lhe eram anterior.

Marcos dá ênfase a afirmação, herdada de Jesus, de que está agora começando o ato final no drama dinâmico em que Deus se move para uma humanidade imoral.

Mateus luta para provar que todas as profecias concebíveis foram cumpridas por Jesus:

Lucas tende a fazer a historia universal trifurcar em três períodos: o templo de Israel, o meio do tempo ou o tempo de Jesus, e o tempo da igreja. Ele também abranda a tendência de Marcos para dar ênfase ao presente como o fim do tempo e da historia e sua afirmação escatológica injusta de que Jesus regressará triunfantemente a qualquer momento. Considerando a tradição do Evangelho e sua transmissão, observamos que:

1 - Os Evangelhos procedem de uma geração ulterior a de Jesus; mas, embora os evangelistas não fossem testemunhas oculares, eles foram informados por testemunhas oculares. A tradição oral nem sempre desmerece a fé.

2 - Os Evangelhos e outros documentos do Novo Testamento refletem as necessidades da igreja (...) e a dedicação a tradição histórica não implica ou exige perfeição em transmitir.

3 - Os Evangelhos contem elementos legendários ou míticos, tais como Jesus caminhando sobre as águas; mas seguramente os Evangelhos são categoricamente diferentes das lendas e mitos bem conhecidos (...). Embora se deva admitir a presença de lendas e mitos não-historicos e não verificáveis nos Evangelhos, a historia fundamental sobre Jesus decorre de tradições autenticas muita antigas.

4 - Mateus claramente amplia e muitas vezes transforma em alegoria Marcos e Q, uma fonte perdida somente conhecida porque Mateus e Lucas herdaram porções dela (...).

5 - Na busca de material autentico referente a Jesus temos de reconhecer (...) que palavras que não são autenticas de Jesus podem corretamente conservar a real intenção de Jesus (...).

6 - Mateus e Lucas trabalhando a partir de Marcos e Q alteraram os ditos de Jesus e, enquanto Marcos deve ter exercido a mesma liberdade exegética, é obvio, comparando Marcos com Q e os ditos de Jesus encontrados apenas em Mateus com os que figuram apenas em Lucas, que muitos dos ditos de Jesus remontam muito antes de 70. é simplesmente inverídico que os ditos de Jesus foram criados pelos primeiros cristãos ou inventados pelos evangelistas. (Creio que o mesmo pensamento se aplica aos ditos de Jesus reunidos por evangelistas não canônicos e que muitos foram distorcidos, acrescentados ou modificados).

7 - A Epístola aos Romanos 1:3-4 e outras tradições podem tender a indicar que os seguidores de Jesus só começaram a afirmar que ele era “o Cristo” depois que Jesus (voltou entre os mortos). Não se sugere dessa percepção que a cristologia só se iniciou depois da Páscoa ou que a cruz e o aparecimento de Jesus apos a crucificação foram os únicos aspectos importantes da vida de Jesus.

8 - Os Evangelhos são confessionários pós-Pascoa. Esclarecemos que aqueles que buscam ver as tradições autenticas de Jesus no Novo Testamento não estão empenhados numa operação de salvação. A pesquisa sobre Jesus está desvinculada (totalmente) da procura de um fundamento razoável para a fé e da necessidade de retratar o herói divino a ser imitado.

9 - Há um retrato comum de Jesus em Mateus, Marcos e Lucas. Este retrato expõe Jesus como pessoa distintamente reconhecível na Palestina do primeiro século.


COMENTÁRIOS DOS ESPÍRITAS
J. Herculano Pires

(I)

(Hoje constatamos) “um abismo entre o Cristo e o Cristianismo, tão grande quanto o abismo existente entre Jesus de Nazaré e Jesus Cristo nascido (...) na cidade do Rei Davi em Belém da Judéia, segundo o mito hebraico do Messias. Por isso a Civilização Cristã, nascida em sangue e em sangue alimentada, não possui o Espírito de Jesus, mas o corpo mitológico do Cristo, morto e exangue. Por isso o Padre Alta estabeleceu em Paris, a diferença entre o Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários. Não podemos condenar o processo histórico que brotou, rude e impulsivo, das condições humanas de civilizações agrárias e pastoris, mas não é justo que conservemos em nosso tempo de abertura para novas dimensões da realidade humana a da realidade cósmica.
Mahatma Gandhi exclamou, ao ler os Evangelhos: ”Como pode uma árvore como esta dar os frutos que conhecemos?”
Kalil Gibran Kalil, viu Jesus de Nazaré encontrar-se com o Jesus dos Cristãos numa colina do Líbano, onde conversaram, e Jesus de Nazaré retira-se murmurando: “Nao podemos nos entender!”.
Melanchton assustou-se com a depuração da Reforma e perguntou a Lutero ”Se tiras tudo dos Cristãos, o que lhes pretende dar?”. Lutero respondeu: “Cristo!”.
As atuais Teologias da Morte de Deus, nascidas da Loucura de Nietsche, provou a razão de Lutero. A Nova Teologia do Padre Teilhard de Chardian oferece-nos os rumos da renovação. E o Papa João XXIII, um camponês que voltou ao campo, tentou limpar a Seara. é o tempo de compreendermos que Jesus de Nazaré não voltou das nuvens de Betânia, mas em Espírito e Verdade, para conduzir-nos a toda Verdade Prometida”.

(II)

“Na Galiléia dos gentios, sob o domínio romano de Israel, as esperanças judaicas do Messias cumpriram de maneira estranha e decepcionante. Nasceu o menino Jesus em Nazaré, na extrema pobreza da casa de um carpinteiro, próximo a Decapolis impura, as dez cidades gregas que maculavam a pureza sagrada da terra que Javé cedera ao seu povo. Era penoso para os judeus aceitarem esse desígnio do Senhor, que mais uma vez lhe impunha terrível humilhação. José o carpinteiro casara-se com uma jovem de família pobre e obscura, com pretensas ligações com a linhagem de Davi. Jesus devia nascer em Belém de Judá, a Cidade do Rei cantor, poeta e aventureiro. E devia chamar-se Emmanuel segundo as profecias. Javé certamente castigava os judeus pela infidelidade do seu povo, que deixara a águia romana pensar no Monte Sião. Toda a heróica tradição de Israel se afogava na traição a aliança divina da raça pura, do povo eleito, com o poder impuro de César.

A decepção dos judeus aumentava ante a desairosa situação social de José, velho e alquebrado artesão, casado com uma jovem que já lhe dera vários filhos. Jesus não gozava sequer das prerrogativas de primogênito (alem de forjarem a condição de primogênito também forjaram a virgindade de Maria, do contrario as profecias não teriam se cumprido). Herodes, o Grande, que se contentava no ajuste com os romanos, a dominar apenas a Galiléia e alem disso construíra o seu palácio sobre a temível impureza das terras de um cemitério, tremeu ante esse novo desafio aos brios da raça e condenou os que aceitavam esse nascimento impuro como sendo o do Messias de Israel. Era necessário, para sua própria segurança, desfazer esse engano. O menino intruso devia ser sacrificado, e para isso bastava recorrer as alegorias bíblicas e espalhar a lenda da matança dos inocentes. Nos tempos mitológicos em que se encontravam era comum tomar-se a Nuvem por Juno. Mas o menino que nascera de maneira incomum, filho de família pobre (e por isso suspeita), cresceu revelando inteligência excepcional que provocava a admiração do povo. Submetido a sabatina ritual dos rabinos do Templo de Jerusalém, para receber a bênção da virilidade, assombrara os doutores da Lei com seu conhecimento precoce. Mas esse brilho fugaz era insuficiente para lhe garantir a fama messiânica. Logo mais ele se mostrava integrado na família humilde a condição inferior e aprendendo com o velho pai a profissão a que se dedicaria. Não obstante para a prevenção de dificuldades futuras, as raposas herodianas incumbiram-se de propalar a lenda da violação da honra conjugal de Maria pelo legionário Pantera. Com esse golpe decisivo, o perigo messiânico ficava definitivamente anulado.

Não seria possível que o povo aceitasse a qualificação messiânica para um bastardo.

(...) Jesus crescia e se preparava na obscuridade, para o cumprimento de sua missão. Quando se sentiu integrado na cultura hebraica, senhor das escrituras e das tradições da raça, iniciou as suas atividades publicas. Sua própria família então se revoltou contra o perigoso atrevimento daquele jovem delirante. Sua mãe e seus irmãos, como relatam os Evangelhos, tentaram fazê-lo voltar para casa e a oficina rústica do pai. Foi então que seu primo, João, o Batista, que já antecipara seu trabalho messiânico, preparou-lhe as veredas da sua semeadura revolucionaria. Na própria Galiléia Jesus encontrou os seus primeiros discípulos. Homens humildes, mas cheios de fé, de esperança, dispuseram-se a segui-lo. (...) Suas atitudes claras e enérgicas, seus princípios racionais, desprovidos das superstições rituais da tradição, assustavam e muitas vezes atendiam aquelas almas sedentas de luz e de prodígios messiânicos. Sua popularidade cresceu rapidamente no seio de um povo que sofria como jugo romano, a infiltração constante e irreprimível dos costume pagãos nas classes dominantes, sob a complacência covarde de um rabinato embriagado pelos interesses imediatistas. Renasceram então antigas lendas a seu respeito. Os que o aceitavam, levados pelas aspirações messiânicas, propalavam estórias absurdas sobre a sua infância e adolescência obscuras, com entusiasmo fanático da ignorância e do clima mitológico da época. Os que a ele se opunham, atrelados ao carro dos interesses romanos e dos seus aliados judeus, ressuscitavam as lendas do seu nascimento vergonhoso e das suas relações secretas com Satanás e com ordens ocultistas e mágicas, como a dos Essênios, geralmente temidas pelas atrocidades que praticavam em seus redutos indevassáveis.

A figura humana de Jesus de Nazaré, o jovem reformador do judaísmo, que pregava o amor e a fraternidade entre os homens, ia rapidamente se transfigurando num mito contraditório, ora de semblante celeste e atitudes amigas, ora de rosto irado e chicote em punho. Os discípulos procuravam enquadrá-lo nas profecias bíblicas certos de sua condição messiânica. A mentalidade mística, profundamente diversa de mentalidade racional que ele encarnava, naquela fase de transição histórica e cultural, aceitava mais facilmente a profecia como realidade dos próprios fatos reais. O sentido de suas palavras e até mesmo as expressões alegóricas, de que as vezes se servia, para se fazer mais compreensível, eram entendidas de maneiras diversas, segundo a capacidade de compreensão de certos indivíduos ou grupos. Esse é um processo de deformação bastante comum nos tempos de ignorância e que hoje se repete nos meios e regiões ainda não atingidos pelo progresso. Os fenômenos de fanatismo religioso e misticismo popular, ainda em nossos dias, revelam a mecânica emocional dessas estranhas, e não raro, bárbaras metamorfoses de interpretação popular de ensinos racionais e de fatos comuns transformados em acontecimentos misteriosos.

(...) na elaboração tardia dos textos evangélicos, em tempos e lugares diferentes, com os dados fornecidos pelos LOGIAS (anotações de apóstolos e discípulos) ou mesmo de informações orais, deturpadas pelo tempo, transfiguradas pelos sentimentos de veneração que crescera através dos anos, os elementos míticos se infiltraram no relato, amoldando a realidade distante as condições mitológicas da época.

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