quinta-feira, 28 de maio de 2009

UMA OU VÁRIAS VIDAS?

Em entrevista dada pouco antes de morrer, Vittorio Gassman (1922/2000) afirmou que a vida tinha de ser duas: uma para ensaiar e outra para viver. É que nem sempre se tem tempo de colocar em prática muitas das coisas aprendidas na vida, tão curta ela é. Se depois do ensaio, a gente pudesse ter uma outra existência, esta pra valer mesmo, por certo ela seria bem mais fascinante e produtiva.

Não consta que o ator e diretor italiano tenha se preocupado com a questão teórica de se a vida é única ou se são muitas as existências da alma humana. Mas, ao expressar seu desejo de uma vida-ensaio e de outra para concretizar o que antes se ensaiou, Gassman aponta para uma angústia que é de todos nós e que envolve a busca do verdadeiro sentido da vida humana.

O significado da vida, mesmo que a maioria das pessoas não passe se questionando a respeito disso, preocupadas que estão com as exigências do aqui e agora, está intimamente ligado à velha questão do destino do que chamamos alma. Sobre o tema, em breve síntese, podemos identificar três alternativas:

Alternativa "a": é a que decorre da interpretação materialista do universo. A alma, nesse caso, é, ela mesma, um produto da matéria. Foi esta que gerou a consciência, que movimentou a história, que produziu a cultura. Os chamados valores espirituais do homem outra coisa não são que o resultado final da lenta evolução da matéria. O universo é, em última e definitiva interpretação, matéria. A consciência dela depende e sem ela não sobrevive.

A alternativa "b", ligada a crenças que forjaram nossa cultura, admite duas substâncias fundamentais: o espírito e a matéria. Ambas criações divinas. A primeira imperecível. A segunda instrumento indispensável à vida na Terra. Finda, aqui, a jornada da alma que com o corpo fora criada, a matéria se extingue. Mas a alma ou espírito, sede da consciência, parte em busca do que a fé denomina sobrenatural. Nessa dimensão, a alma estará sujeita, alternativamente, a duas sortes distintas: a primeira, reservada aos justos, será de bem-aventurança; a segunda, castigo dos maus, é a do eterno sofrimento. Em nenhuma das duas hipóteses há lugar para uma ou mais chances de retorno à vida material para emendar erros ou retificar caminho.

A alternativa "c" vê o espírito como o princípio inteligente do universo.. A consciência, aí, é a realidade fundamental. Forjado a partir do lento processo evolutivo, o princípio inteligente atinge a condição hominal no momento em que é iluminado pela razão. Embora imaterial sua natureza essencial, a consciência ou espírito depende da matéria para impulsionar-lhe a evolução. Valendo-se dela para sua vida de relação, transmigra pelos diversos estágios da substância energético/material, presente nos diferenciados mundos que compõem o universo. A Terra é apenas um dos mundos em que a alma experencia a vida, aperfeiçoando-a e apreendendo-lhe com melhor precisão o verdadeiro sentido, na medida em que avança em conhecimento e moralidade. Sede adequada a um longo estágio do processo evolutivo da alma, a Terra é, desta forma, sua casa planetária por sucessivas existências. Um olhar assim sobre o fenômeno da vida desconsidera o sobrenatural. A natureza e suas leis soberanas, emanadas de uma suprema inteligência, tudo regulam, de forma natural e harmônica.

Das três alternativas, a última, malgrado sofrendo o preconceito das ciências, ainda submetidas a um paradigma materialista (alternativa "a"), e dos dogmas da religião (alternativa "b"), pouco a pouco, se firma como a de mais crescente aceitação entre nós. Não por outra razão, recente pesquisa de opinião do Datafolha, sobre as crenças dos brasileiros, apontou que só 3% deles se declaram ateus e materialistas. Mesmo assim, o maior contingente (2% do universo pesquisado) diz não descrer, mas apenas duvidar da existência dessa consciência suprema, da qual emanam todas as consciências, e que chamamos Deus. Restou o mirrado percentual de 1% para a posição convictamente materialista do universo. Mais, e aí o dado definitivo a confirmar a tendência à terceira alternativa: nada menos de 44% dos declaradamente católicos (grupo majoritário teoricamente situado na alternativa "b") declararam crer na tese da reencarnação do espírito.

Ampliando o sonho de Vittorio Gassman, a vida, assim concebida, seria bem mais que um ensaio para uma única representação. Seus personagens são os verdadeiros artífices de uma realidade universal, fundada nos valores do espírito, em permanente busca do bem e do belo.

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