sábado, 3 de maio de 2008

A ÁGUIA DE ASAS PARTIDAS

Ele possuía muitas riquezas. Tinha as arcas abarrotadas de ouro e
gemas preciosas.

A juventude lhe sorria e os amigos sempre se faziam presentes nos
banquetes.

Habituara-se a dormir em seu leito de ébano e marfim. Dormir e
sonhar.

Em seus sonhos, misturava-se a realidade das tantas vitórias que lhe
enriqueciam os dias. E um desejo de paz que ainda não fruía.

Ele amava as corridas de bigas e quadrigas. Recentemente comprara
cavalos árabes, fogosos. E escravos o haviam adestrado durante dias.

Tudo apontava para a vitória nas próximas corridas no porto de
Cesaréia.

Mas os momentos de tristeza se faziam constantes.

A felicidade não era total. Faltava algo. Ao mesmo tempo, ele temia
perder a felicidade que desfrutava.

Por isso, ouvindo falar daquele Homem singular que andava pelas
estradas da Galiléia, o procurou.

Bom mestre, que bem devo praticar para alcançar a vida eterna?

Desejava saber. Como desejava. A resposta veio sonora e clara:

Por que me chamas bom? Bom somente o Pai o é. À tua pergunta,
respondo: “Cumpre os mandamentos, isto é, não adulterarás, não matarás, não
furtarás, não dirás falso testemunho, honrarás teu pai e tua mãe.”

Tudo isso tenho observado em minha mocidade. No entanto, sinto que
não me basta. Surdas inquietações me atormentam. Labaredas de ansiedade me
consomem. Faltava-me algo!

Então – propõe-lhe a Luz – vende tudo quanto tens, reparte-o entre
os pobres. Vem, e segue-Me!

A ordem, a meiguice daquele Homem ecoava em seu Espírito. Ele era
uma águia que desejava alcançar as alturas. E o Rabi lhe dizia como utilizar
as asas para voar mais alto.

Pela mente em turbilhão do jovem, passam as cenas das glórias que
conquistaria. Os amigos confiavam nele.

Tantos esperavam a sua vitória. Israel seria honrada com seu
triunfo.

Sim, ele podia renunciar aos bens de família, mas ao tesouro da
juventude, às riquezas da vaidade atendida, os caprichos sustentados...?

Seria necessário renunciar a tudo?

A águia desejava voar, mas as asas estavam partidas...

Recorda-se o jovem que os amigos o esperam na cidade, para um
banquete previamente agendado. Num estremecimento, se ergue:

Não posso! – murmura. Não posso agora. Perdoa-me.

E afastou-se a passos largos. Subindo a encosta, na curva do
caminho, ele se deteve. Olhou para trás. Vacilou ainda uma vez.

A figura do Mestre se desenha na paisagem, aos raios do luar. A Luz
parece chamá-lo uma vez mais.

Indecisa, a alma do moço parece um pêndulo oscilante. A águia ainda
tenta alçar o vôo. O peso do Mundo a retém no solo.

Ele se decide. Com passos rápidos, quase a correr, desaparece na
noite.

Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram o episódio e dizem de
como o jovem se retirou triste e pesaroso.

Nem poderia ser diferente: fora-lhe dada a oportunidade de se
precipitar no oceano do amor e ele preferira as areias vãs do Mundo.
* * *
O Divino Amigo nos chama, diariamente, para a conquista do reino de
paz.

Alguns ainda somos como o moço rico. Deixamos para mais tarde,
presos que ainda estamos a muitas questões e vaidades pessoais.

É bom analisar o que vale mais: a alegria efêmera do Mundo ou a
felicidade perene que tanto anelamos. Depois, é só optar.

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