segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Poema de Uma Alma

Numa região alcatifada de luminosas
neblinas, o Anjo da Redenção recebia
as almas que regressavam da Terra,
mostrando-lhes nos firmamentos
constelados os sóis que enchiam
de melodia e luminosidade o abismo
do Universo.
Um dos egressos do mundo terreno
aproximou-se-lhe, exclamando
em soluços:
Anjo Salvador, venho da
Terra como um
náufrago desvalido!...
Ouro e honrarias não me
deram a paz ambicionada!
Estou só com a minha
consciência dilacerada;
que fazer, ó mensageiro da redenção, para
alcançar aqueles páramos radiosos
de ventura que nos aponta
a tua mão resplandecente?...
– Filho – replicou-lhe com bondade – a
solidão em que te achas foi criada
pelo teu egoísmo...
aquelas mansões de alegria, onde
entrevês a felicidade intraduzível, são
conquistadas com o que se faz
em bem dos outros...
Escuta-me! a terra ainda é
a região dos resgates penosos;
milhões de seres lá sofrem e choram,
lutam e desfalecem.
Volta a esse mundo e prende-te
às suas leis.
Come do seu pão e sofre-lhe
as iniqüidades!
Labora na grande oficina da
abnegação e do sacrifício.
Lá encontrarás ciladas tentadoras, mas
estarás em temporário olvido para
que se valorize o teu esforço.
Não te esqueças de amar aos teus
semelhantes com o esquecimento
dos teus próprios interesses, e quando
alcançares o absoluto desprendimento
da matéria, terás o poder de criar as tuas
próprias asas !...
Conhecerás então as belezas universais
e conhecerás as flores sublimes
dos paramos siderais quando se sabe
plantar as sementes da renúncia no
sola ingrato da Terra!

...

A Alma então animada, resoluta,
atirou-se ao círculo das
reencarnações benfazejas.
Inúmeras vezes fracassou no
caminho fácil das tentações.
O Demônio da Sexualidade,
a Ambição do Ouro,
Egoísmo da Posse,
a Inquietação da Fama
prenderam-na por muitos
séculos de dor e de tormento.
Ia somente aos palácios da Morte
para se banhar no pranto dos
arrependimentos salvadores,
retornando à luta com o firme propósito
da vitória; até que um dia escolheu
um ambiente de lágrimas dolorosas
para os seus combates.
Sua infância foi uma longa tortura
e toda a sua vida um rosário de
aflições e de angústias; viu o escárnio
em lábios que estremecia, feriu-se
nos espinhos da ingratidão e chorou
na confiança traída.
Tudo, porém, suportou com serenidade
espartana e com paciência evangélica.
Sorriu aos trabalhos e dificuldades
da sua existência, sacrificando-se
penosamente!...
Todavia, uma hora chegou em que
as privações lhe trouxeram o
alvará da liberdade.
Adormeceu tranquilamente nos
braços misericordiosos da Morte e
livre da reencarnação e da miséria
despertou no santuário esplendoroso
da Redenção onde um anjo divino lhe
descerrou as portas da Imensidade;
então a Alma liberta, entre lágrimas
de reconhecimento e de júbilo,
alou-se ao Infinito, em cujos jardins
deslumbrantes foi colher a flor
da sempiterna ventura.

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