domingo, 30 de dezembro de 2007

Falando ao oceano

Algumas folhas de papel, caídas sobre a areia
de uma praia pouco visitada, traziam
as seguintes linhas:
“Quando abraço o oceano com o olhar, volto a
questionar milhões de coisas, tantas quanto
as ondas que ganham a areia.
Volto a questionar:
Como alguém pode sentir-se só na presença do mar?
Na presença desta brisa incessante?
Na companhia deste perfume raro?!
Como ainda posso me sentir só, sabendo que os
braços do Invisível me abraçam, que aqueles que
partiram continuam existindo, e que todos nós, sem
exceção, somos amados por alguém!?
Como ainda posso me sentir só?
Talvez seja porque eu me isole do Mundo, e seja
exigente demais com as pessoas.
Pode ser isso.
Talvez seja porque eu não permita que os outros
conheçam minha vida, meus sonhos, minhas
dificuldades – acho que há um pouco
de orgulho nisso.
Quem sabe seja porque eu procure a solidão,
e não ela que me persiga, como eu imaginava.
É... talvez eu precise conversar mais com
as pessoas, me interessar mais por
suas vidas, ouvir.
Há tempos que não ouço alguém; um desconhecido
relatando os acontecimentos corriqueiros
do dia-a-dia; um colega de trabalho falando
das peripécias de seus filhos.
Meus irmãos: há tempos não converso com
eles sobre assuntos profundos, como planos
para o futuro, lembranças boas do passado.
É curioso, pois lembro-me de que há algumas
semanas ouvi uma mensagem de cinco minutos,
num programa de rádio, que falava sobre isso,
sobre como as pessoas se isolam umas das outras,
e do quanto isto é prejudicial para a saúde
mental e física, já que uma é
conseqüência da outra.
O locutor dizia que "Quem ama não se sente só",
pois está sempre se doando, se envolvendo com
os corações mais próximos, na intenção de ajudar.
Dizia ainda que, quando nos sentimos úteis,
e concluímos que muitos dependem de nossa
dedicação, de nosso amor, também
esquecemos da solidão.
Acredito que ele tenha razão, pois lembro
que naquele dia fui visitar uns tios que não
via há muito tempo, e aquela visita
fez-me tão bem!
Falamos de assuntos comuns, como notícias
de televisão, notícias da família, mas ao final
saí de lá menos tenso, menos preocupado
com a solidão.
Abracei minha tia, e a ouvi dizer, por entre
lágrimas discretas:
"Gostamos muito de você, viu?
Venha mais vezes!
Não é sempre que recebemos visitas!"
Ela está certa.
Não é sempre que recebemos
visitas, pois não é sempre que visitamos
os outros, creio eu.
Naquela tarde, vi que poderia ser útil em
pequenas coisas, e que aquilo me afastava
um pouco da solidão.
Dentro do carro, voltando para casa,
observando o movimento intenso nas ruas,
lembro de fazer estas mesmas perguntas:
Como pode alguém sentir-se só na presença
de tanta gente, de tanta vida!?
Quantos desses corações esperam apenas
por uma visita?
E quantos deles estão dispostos a fazer uma?
E aqui está você, amigo oceano, à minha
frente, ouvindo todas estas minhas divagações.
Acho que foi sua presença, rei das águas, que
me ajudou a entender melhor o que se passa
em meu íntimo.
Agradeço profundamente por sua companhia,
por conseguir me ouvir, e por me dizer, mesmo
sem falar, que o que preciso fazer é visitar
mais o coração de meu próximo.
Muito obrigado.”

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