sexta-feira, 2 de abril de 2010

A VIDA E AS ESTAÇÕES

Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que
não acabasse nunca
A infância é como a primavera. É pura novidade e um calor que
não sufoca nem faz pensar bobagens. Tem uma inocência quase cafona,
uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente
vem coisa boa. A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais
será tão protegido, a mordomia não será eterna. É quando as coisas
acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir
alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série.
A adolescência é como o verão. Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e
o que se teme. É musical e fotogênica. Dúvidas, dúvidas, dúvidas em
frente ao mar. Mergulha-se no profundo e no raso. Pouca roupa, pouca
bagagem. Curiosidade. Vontade que dure para sempre, certeza de que
passa.
Noção do corpo. Festas e religião. Amor e fé.
A maturidade é como o outono. Um longo e instável outono,
que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa.
Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os
melhores abraços. Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante.
Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se
movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se
impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar. É o
outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige
lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que
não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como
despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno.
Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser
aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata. É grisalho.

E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim
dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que
não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro
verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem,
sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda
noite. Eu queria.

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