quinta-feira, 17 de abril de 2008

A RAINHA DOS ANJOS

A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita
se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade e de
esperança. Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria, com
as boas-vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades
angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.

Experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a
Galiléia com os seus sítios preteridos. Bastou a manifestação de sua vontade
para que a conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza.
Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando do
alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves,
apresentava a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então, de que
naquele instrumento da Natureza Jesus cantara o mais belo poema de vida e
amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do
Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântico
evangélico.

Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se
dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela
crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à
espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse
pensamento, imprimiu novo impulso ás multidões espirituais que a seguiam de
perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e
maravilhosa, espalhada sobre colinas enfeitadas de carros e monumentos que
lhe provocavam assombro. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes
vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo
pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos escravos. Mais alguns momentos
e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros
calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde centenas de
rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados
experimentaram no coração um consolo desconhecido.

Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as
suas preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela
assembléia de torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a caridade
misericordiosa de seu espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes.
Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado
conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua
esperança. Maria aliviou-lhes o co­ração e, antes de partir, sinceramente
desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía
para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus
ensinara que com ele todo jugo é suave e todo tardo seria leve,
parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos
desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração como um
poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe
desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da
alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto
descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:

— “Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!... Convertamos as nossas dores da
Terra em alegrias para o Céu!..”

A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que
lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o
firma­mento luminoso, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua
alegria, cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que
traduzia a sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando
todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí a
instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos
que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.

Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as
mulheres e, desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus
têm cantado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando
a suave herança de nossa Mãe Santíssima.

Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das
diversas famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no
coração um brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o
seu perfume!

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