Confessas-te, frequentemente, à beira do desânimo, à face
das alfinetadas morais que te ferem a alma sensível: a impensada
desconsideração de um amigo; a frustração de um negócio que te
propiciaria lucros sobre lucros; o comportamento infeliz de
companheiro determinado em experiências difíceis; a perda de condução;
a roupa estragada...
Esquecemo-nos habitualmente de que pequena invigilância é
suscetível de inclinar-nos aos desastres da alma, tanto quanto um
abuso no trânsito pode custar muitas vidas e recusamos os contratempos
educativos com que a vida nos abençoa, imunizando-nos contra males
maiores, descendo ao delírio e à irritação que bastas vezes precedem a
obsessão ou a delinquência.
Quando te vejas, assim, sob o impacto de aborrecimentos
claramente remediáveis pelas tuas atitudes de serenidade e de
paciência deixa que as asas de tua própria imaginação te conduzam aos
milhares de hospitais, consultórios médicos, clínicas de tratamento,
ambulatórios diversos e aposentos de enfermos, a fim de ver e escutar,
em espírito, tantos irmãos nossos que jazem comprometidos em
desequilíbrios orgânicos muitas vezes irreversíveis.
Visita, pelo menos mentalmente, os paralíticos, os
mutilados, os cegos, as mães sofredoras que suportam a penúria dos
filhos, como se trouxessem um punhal de fogo enterrado no coração; a
dor dos pais amorosos, tombados em pauperismo e moléstias, incapazes
de prover as necessidades do lar; os presidiários esquecidos, os
doentes em supremo abandono e aqueles outros companheiros nossos em
absoluta e desesperada exaustão que suspiram pela morte, como sendo a
esperada solução para os problemas aflitivos que lhes martirizam a alma.
Pensa, alguns momentos por dia, nas provações e nas
privações dos outros e aprenderás a somar as vantagens que te
felicitam a existência, verificando enorme saldo de bênçãos em teu
favor.
Então, compreenderás que ao invés de nos queixarmos do
mundo, ante as provas e as lutas que ainda nos incomodam, será talvez
o próprio mundo que possua motivos para queixar-se de nós.
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