terça-feira, 15 de julho de 2008

AMIZADE SEM TRATO

Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental. Mas é fato: quando penso no que tenho de
mais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família. E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeeesmo, a gente só tem
dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho: eu tenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada. Não é privilégio meu, qualquer
pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?

Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos. Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente sabemos
até de uma fofoca pesada sobre eles, mas amigos? Nem perto. Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes.

Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa - nem deve - vir acompanhado de um motivo.

As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor - tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato. Pois
para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão, basta sentir a falta
da pessoa. E, estando juntos, tratarem-se bem.

Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso troca de elogios
constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas
são necessárias. Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do
que cumplicidade. Sintonia?

Acho que é amor.

Oh, céus! Santa pieguice, Batman! Amor?
Esta lengalenga de novo?

Sério, só mesmo amando um amigo para permitir que ele se atire no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso.
Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o
seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços - mas
liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato.
Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam.

Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que amizade é algo que vem
pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos
nem dois amigos pra valer. E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas. Nada disso. A solidão
é apenas um sintoma do nosso descaso.

A maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção

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