quarta-feira, 2 de julho de 2008

Estar alerta

O monge Zuigan costumava iniciar cada dia dizendo a si mesmo, em voz alta:

- Mestre, você está ai?

E ele mesmo respondia:

- Sim, senhor, estou.

Em seguida, dizia:

- Fique atento e sóbrio.

E respondia:

- Sim, senhor, farei isso.

E depois dizia:

- Fique alerta agora; não deixe que eles o enganem.

E ele respondia:

- Oh, não, senhor, não deixarei, não deixarei.

Essa história, que à primeira vista parece coisa de maluco, é relatada por Osho no livro Raízes e Asas, e constitui, segundo ele, um dos ensinamentos mais importantes do Zen, pois mostra-nos como podemos exercitar permanentemente o estado de alerta.

Estar alerta é estar consciente, a cada momento, de quem você realmente é, sem se deixar levar pelos truques da mente e pelas crenças que ela sempre tenta lhe impor.

Responder a si mesmo em voz alta, como responderia a um mestre, significa reconhecer em si a existência de um mestre interior, aquele que procura trazê-lo sempre para o estado de alerta, e abandonar o adormecimento e a inconsciência em que vive a maior parte dos seres humanos.

Por exemplo, a mente sempre procura nos levar a dar mais valor à opinião que os outros têm sobre nós, do que à nossa própria percepção acerca de quem somos.

Qualquer palavra ou julgamento negativo que alguém nos dirija, leva-nos imediatamente a uma reação de raiva, mágoa, ódio ou vingança, como se aquele julgamento fosse nossa única verdade.

É interessante observar que quanto mais nos sentimos atingidos pelo insulto ou a provocação de alguém, mais relacionado está aquele insulto com alguma ferida interior que carregamos.

Se conseguirmos perceber o motivo que se esconde por trás de nossa reação, poderemos aos poucos identificar as causas dessa ferida e, desse modo, encontrar formas de curá-la.

Quando o monge dizia a si mesmo, não deixe que eles o enganem, estava querendo dizer, não se deixe enganar pelo que os outros lhe dizem, ouça sempre a sua voz interior e acredite nela mais do que em qualquer pessoa, pois aí reside a verdade.

Na maioria das vezes, acreditamos que nossa voz interior é ilusão, fantasia, delírio, loucura.

Damos incrível credibilidade à mente pois fomos ensinados a acreditar na racionalidade como a única conselheira confiável em qualquer situação da vida.

Mas, se observarmos atentamente o comportamento de nossa mente, perceberemos o quanto ela sempre nos arrasta para o medo, a raiva, a insegurança, a falta de fé.

Ouvir nossa essência interior só é possível se estivermos plenamente relaxados e dispostos a deixar que ela se revele.

Chamar a si mesmo para o estado alerta, a cada manhã, é uma forma de iniciar o dia disposto a permanecer o mais consciente possível.

Esta chamada pode ser repetida várias vezes durante o dia, sempre que você perceber que está se deixando enredar pelo desequilíbrio da mente.

Ao deitar-se à noite, repita o exercício para que você adormeça num novo patamar de consciência.

Acordado ou dormindo a consciência está sempre presente em você e, segundo Buda, ainda que seu corpo adormeça, se sua consciência estiver desperta, ela permanecerá alerta mesmo durante o sono.

Os ensinamentos do Zen são preciosos, pois sempre se caracterizam por atitudes bastante simples e não por complexos discursos teóricos.

Os mestres do Zen possuem uma incrível capacidade de transmitir a verdade através do humor, do riso e de atitudes que mais parecem brincadeira de criança.

Deste modo, revelam que a sabedoria os fez retornar à inocência e a alegria típicas de uma criança.

E este é nosso estado natural, aquele em que viemos ao mundo, mas que fomos deixando para trás devido aos condicionamentos e às regras impostas pelo exterior.

Ele pode ser recuperado, se estivermos firmemente dispostos a empreender essa viagem.

Ela é difícil e cheia de percalços, mas sem este desafio a vida se torna um mero caminhar para o túmulo.

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