terça-feira, 8 de julho de 2008

PERDAS & GANHOS

Não! Não é resenha do livro de Lya Luft, embora a companheira saiba muito tanto de perdas, quanto de ganhos. Divago aqui sobre os ganhos ao longo da vida, o que se vai conquistando a cada dia sem perceber, como a capacidade de enxergar, ouvir, cheirar, tocar, sorrir, amar. Isso é dádiva!

Não costumamos enumerar, por dia, o “quantum” de ganhos, somente as perdas. Não temos o hábito de agradecer o fim do dia inteiros e vivos. Deveríamos, porque muitos não terminam.

Quantos de nós reparamos em nós mesmos, em nossos companheiros, nossos filhos em detalhes? Quantas vezes os observamos num dia, os abraçamos de verdade, mas aquela verdade de quem teme perder?
No entanto, por haver tantos e infindáveis ganhos diários, não vamos percebendo o que se ganhou naquele dia especificamente, o quanto nos foi permitido usufruir o ganho. Até que começamos a perder.

Não temos direitos sobre o que nos é dado receber, que não o de usufruir enquanto os temos. Mas isso, só descobrimos quando perdemos.
Ganhamos o carinho dos pais, a comida, o abrigo. Ganhamos instrução, brincadeiras, conhecimento. Ganhamos corpo, prazer, amor. Ganhamos ambição, a luta para construir um futuro, ganhamos um cônjuge. Ganhamos casa, carreira, filhos. Ganhamos status, amigos, alguns desafetos, beleza, poder. Até que vem a primeira perda, que pode ser um emprego, um cargo, um parente, um dente, um ovário, um seio, o cabelo, o cônjuge.

Não estamos definitivamente preparados para as perdas, e não fazemos nada quanto a isso.

Tento estabelecer um equilíbrio entre perdas e ganhos, e fazer um balanço sincero no interior, determinar prioridades, cumprir metas.
Eu quero ser feliz. Essa é a minha meta. E não é ser feliz lá longe, amanhã, num futuro que não sei. É o hoje, o agora, e com o que eu tenho e posso.

Não adianta atribuir a riquezas e mordomias a minha felicidade, quando sei que minha vida é restrita ao que faço, ao que sou e aos que amo. E é aí, nessas simples e aparentemente pequenas coisas, que está a minha felicidade.

Hoje não troco um longo e delicioso abraço de um filho, recostado comigo no sofá, por programa nenhum. Não busco nas amizades fúteis o significado do bem estar interior, nem em braços estranhos a razão do meu sorriso. Não!

Minha alegria sempre esteve e ainda está, mais do que nunca, no calor que emana do sol, no frescor que me vem com a chuva (e seu indefectível cheiro de mato molhado), nas águas do mar a me fazerem cócegas nos pés, nas asas de uma borboleta livre a me transportar para florestas imaginárias de cores surreais, no desabrochar das flores da minha varandinha, no inconfundível e absolutamente identificável cheirinho azedinho-doce das nuquinhas dos meus filhos, na confiança e certeza do olhar do amor, e na palavra e nos versos da poesia que me escrevo, na minha liberdade interior de pensar e acreditar.

Sou um mar infinito de ganhos, com algumas manchas de óleo de perdas, que insistem em matar meus peixes e entranhar um odor desagradável de tristeza. Mas vêm as ondas, as marés, como os ciclos lunares, como o sangue que me revigora e me sangra de vida, que ainda perderei, mas que me inflama enquanto pulsa.
Recuso-me a deixar pender o lado das perdas nessa balança. Sou dona desse bingo, sou proprietária desse cassino, e a roleta não é viciada para perder.

Tenho perdas sim, e ainda as terei mais e mais, cada vez mais, pois a perda é a fome da manutenção indefinida do ganho. Perdemos quando não conseguimos mais ganhar, ou quando nos é tirado o ganho. Precisamos usufruí-lo, enquanto o temos nas mãos. Não há como impedir as perdas, mas há como viver os ganhos intensamente, como nunca ninguém viveu, e sobreviver às perdas no sabor dos ganhos.

Em cada situação da vida há escolhas, e escolhas implicam em perdas. Mas pombas, também implicam em ganhos! A felicidade está em não se valorizar tanto as perdas, mas os ganhos. Não chorar pela infância perdida, mas pelas possibilidades da vida adulta. Pelo frescor da pele, mas pelo conhecimento da experiência. Pelo viço da mocidade, mas pelo prazer da maturidade.

Eu tenho medo de perder os que amo. Tenho medo de perder a liberdade. Tenho medo de perder o amor. Mas de tudo, o que mais tenho medo de perder é a capacidade de reconhecer meus ganhos.

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