quarta-feira, 23 de julho de 2008

ENTRE A PEDRA E A MULHER

Puseram a mulher no meio e eles em volta, pedras na mão, pedras no olhar e o coração de

pedra...

Ela, encolhida, morta de vergonha, antecipa tremendo a primeira pedrada, pensando se será na

testa ou se no rosto... no rosto de que sempre ela cuidou com tanta vaidade e com tanto

esmero para ofertar aos beijos do pecado...

Ah, que adiantam agora e de que servem pétalas de flor do prazer proibido que se vão

transformar, brevemente, em pedradas?

Mas por que não começam logo a cena hedionda em que adúlteros ferem uma adúltera em

nome da pureza, em nome de Moisés e até em nome de Deus?...

É que foram buscar Jesus para assistir como se faz justiça a uma pecadora.

O mestre chega e, então, um astuto judeu de longas barbas, olhar parado e penetrante de

serpente, com perfídias na voz, pergunta sorrateiro:

"Que dizes, Mestre? Esta mulher foi presa, ainda há pouco, em flagrante adultério!

Moisés, o nosso pai, ordenou que essa laia fosse apedrejada".

Brilha um sorriso mau em todos os semblantes... está pronta a armadilha:

Se ele recomendar perdão para a infeliz, agirá contra a lei das escrituras, contra a lei de Moisés;

se Ele mandar, porém, que a lei se cumpra, as pedras voarão sobre a mulher e Ele vai fracassar

diante do povo, vai perder sua fama de bondade, tornando-se o advogado das pedradas o

mesmo que se diz Paladino do amor!

E agora "Seu Jesus"?... Sai dessa se puder!

Puseram-te a perder entre a pedra e a mulher!

Jesus não se perturba. Inclina-se até o chão e começa a escrever com o dedo sobre a areia...

Quem sabe o que escreveu?... Talvez revelações dos pecados de todos os presentes: talvez

deixasse em letras, sobre a areia, a maldade interior dos que ali desejavam lavar, com mão

impura, uma impureza alheia!

O certo é que ao lerem as palavras riscadas sobre o solo, das mãos as pedras vão caindo

inofensivas, pingando reticências de vergonha no incômodo silêncio que se fez...

E, de cabeça, a partir dos mais velhos, vão todos se afastando do local e só fica Jesus diante da

mulher, e só fica a inocência em face da impureza e só fica o pecado em face do perdão.

Cristo não faz "sermão", não diz: "Olha em que deu a falta de vergonha! Afinal que lucraste no

teu breve pecado? O prazer dura pouco, mas é longo o remorso! Então, valeu a pena?"

Não diz isso porque seria uma pedrada e não tem pedra alguma o coração de Deus!

Ele olhou a mulher com bondade e lhe disse:

"Mulher, pobre mulher, onde é que estão agora os que te ameaçavam? Ninguém te condenou?"

"Ninguém, Senhor", diz ela, arrancando uma voz quase inaudível do fundo da vergonha e do

arrependimento...

"Pois nem eu te condeno! Agora vai em paz. Volta ao teu lar, mas nunca, nunca peques mais!"

Assim se desmontou uma armadilha e ficou, para sempre, comprovado que o coração de Deus é

feito de ternura e o coração humano é, às vezes, pedra dura!

Sem comentários: