quarta-feira, 21 de novembro de 2007

SONHEI QUE ERA UM REI

Em meu sonho ainda príncipe
Cavalgava por campos belos de florestas puras.
Pequenos animais pareciam se confraternizarem
E aos sons dos cantos das aves
Brincavam de rodas...

Minha herança seria de um belo reinado
Um reinado de paz e harmonia
Em um distante país
Que seu povo era pura alegria.
Seriam meus súditos,
Já eram meus súditos,
Mas eu não os via como tal.
Com eles eu jogava bola
Ping-pong
Futebol de botão
Pulava carniça
Junto com as meninas brincava
De pêra... Uva... Maçã ou Salada Mista.
Hum! Era uma delícia!
Participava de roda-de-capoeira
Jogando Regional,
Angola, Angolinha
Maculêlê
Ao som de atabaques, bongos e berimbaus
Tirando Sãobento grande Sãobento pequeno
E depois,
A incansável disputa de teco-teco nas bolas de gudes...

O povo deste meu país era feliz.
As crianças iam sem protestos para as escolas.
Descendo as ladeiras com seus carrinhos de rolimãs
Iam os meninos.
As meninas de saias curtinhas a pé seguiam.
Cantarolavam as músicas do Beatles.
Os meninos como sempre muito bobos
Deitavam-se nas calçadas
Fingindo consertar seus carrinhos de rolimãs
Para espiar por debaixo das saias das meninas.
Elas nem davam bola,
Até rodopiavam,
Suas saias levantavam provocando os meninos
Causando alvoroços...

Neste reino,
Neste país,
As ladeiras eram cercadas de florestas.
Eu ainda era um príncipe,
Mas nem ligava pra isso.
O nome de meu carrinho era cavalo azulão
Com uma rodinha de rolimã na frente
E duas na parte traseira
Que bastava dar um empurrão
E-lá-ia-eu
Feliz ladeira abaixo para escola estudar...

Neste meu futuro reino
Professores eram respeitados
Eram por total considerados.
Seus salários eram dignos
E por este motivo,
Eles lecionavam com prazer e com amor.
Quer um reino melhor do esse que um dia eu seria rei?...

Eu ainda um príncipe
Nas casas de meus amiguinhos
Comia tutu com as mãos
Bebia água pura sem precisar filtrar.
As praias deste país,
Eram limpas por total despoluídas.
Era um reino
Onde todos viviam felizes.
Todos os credos religiosos
Viviam por total ecumenismo.
Cada um respeitando o espaço do outro.
Neste reino não existia um Deus melhor do que o outro.
Deus era um só.
E assim na mesma calçada
Caminhavam livremente
Brancos negros e índios cada um com suas crenças...

Não existia pobreza.
Todos tinham seus empregos muitos bem remunerados.
Os aposentados
Recebiam seus proventos em suas casas
E ainda com assistência médica.
De doenças nem se falava.
Os médicos deste país que um dia eu seria rei
Eram mais conselheiros do que médicos.
E nisso tudo vinha à parte melhor:
A velhice era respeitada.
Os chamados de velhos,
Os idosos,
Não precisavam entrar em filas de bancos.
Os atendimentos eram especiais
E além de nossos professores,
Os idosos eram nossos mestres.
Em cada um de seus causos contados
Nas rodas que a gurizada fazia
Era uma segunda parte de grandes ensinamentos.
Neste reinado não existiam asilos...

As mulheres por seus maridos eram endeusadas.
Não havia violência
Haviam várias pracinhas floridas
E nessas praças
De segunda a segunda depois de seus afazeres,
Casais de namorados
Casais de noivos
Casais já casados
Passeavam de mãos dadas sem risco algum de perigo.
Era tudo por total pura confraternização.
Não havia discriminação.
Todos nós nos tratávamos como irmãos...

Nossas florestas eram respeitadas
O carinho por cada plantinha era inevitável.
Cada casa tinha um jardim
Cada jardim recheado de perfumadas flores.
E assim fui crescendo
O rei não morreu,
Ele apenas se aposentou
E passava seus dias nos puros e belos rios
Ao lado de sua amada rainha a pescar...

Tornei-me rei.
Nada mudei
Simplesmente modernizei.
Não andava mais no meu cavalo azulão
Com rodinhas de rolimã,
Passeava no meio da multidão
Em um carro que não era um carrão
Era simplesmente um carro como outro qualquer
Que mais ficava enguiçado
E eu acabava fazendo meus percursos a pé...

Os estrangeiros nos invejavam
Não entendiam como é que vivíamos em plena paz
Sem nos envolver em guerras com outras nações,
Sem ter a fome como marca de um país miserável.
Não entendiam porque nossas ruas não tinham mendigos
Não tinham crianças de rua abandonadas e nem esfomeadas.
Os estrangeiros tinham inveja de nossas florestas
Não havia queimadas e nem roubos de madeiras.
Não se conformavam por não existir desempregos
Ficavam abismados porque nossos jovens
Não fumavam maconha e nem cheiravam pó
E só porque escutávamos Beatles achavam
Que deveríamos nos americanizar.
Coitados!
Beatles não eram norte-americanos
E sim ingleses.
Afinal também gostávamos de Rock...

Com o passar dos tempos
Eu neste meu sonho já bem velhinho
Surgiu um maluco de um lugar qualquer
Atacou-nos com toda sua ira de pura injuria e inveja
Transformou nosso reinado em um país chamado Brasil
E nos mandaram para o exílio das putas-que-os-pariu...

Despertei!
Era apenas um sonho
Um sonho que sonhei que era um rei.
Em parte foi até bom,
Só assim voltei pro meu corpo
Encarando ônibus cheios pra trabalhar
Carregando minha marmita com o que tenho pra levar
Ganhando um salário de fome
E de rei mesmo,
Só me vejo,
Quando estou sentado no vaso sanitário
Despejando o que chamo de:
Política deste meu Brasil,
Se ainda posso chamar de meu.
Ao menos,
Sonhei um dia que era rei...

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