domingo, 11 de novembro de 2007

O AMOR É UM PRESSENTIMENTO

Pensou em casamento, sentou-se na poltrona e ligou a TV depois do exaustivo dia na luta - enquanto ela põe o jantar. Quem sabe até uma princesinha no colo! Lindo, não é?"

Dissemos que o encantamento amoroso era mais um pressentimento do que um sentimento.

Precisamos esclarecer esse ponto. Pressentimento de quê? De troca de influências entre os dois - influências transformadoras. Havendo encantamento, saem os dois modificados de cada encontro: é o famoso e verdadeiro "estado de graça".

Mas ele diminui e de regra se desfaz em poucos dias ou, no máximo, em poucas semanas. Será que a relação acabou? Às vezes sim; é ótimo se os dois se derem conta de que não têm mais o que trocar - não agora, quando menos.

Vezes outras, por gosto, costume, preconceito (matrimonial - "aquele namoro deu certo!"), os dois continuam se encontrando, esperando talvez o retorno do encantamento, além de outras esperanças. De que "dê certo" - casamento, relação estável, morar junto…

Aí é a hora de pensar em cultivar o amor, idéia simpática mais bem pouco praticada e na certa bem difícil. O que atrapalha é a expectativa de casamento-eternização-um lar-filhos…

Pensou em casamento, sentou-se na poltrona e ligou a TV depois do exaustivo dia na luta - enquanto ela põe o jantar. Quem sabe até uma princesinha no colo! Lindo, não é? Então por que sou tão chato insistindo que casamento é péssimo? Porque sendo bom ele impede o melhor - ele disse sabiamente um de meus mestres, Jung.

Espero que você esteja impaciente perguntando-me como se cultiva o amor? Fale logo, estou interessado demais! É simples de falar e é a linha mestra e o principal deste livro (e da vida): Não repita a mesma briga mais do que dez vezes.

Desencanto, não é? Só isso? Só isso, mas antes de começar a discutir tente fazer. Por que dez vezes? Tem que ser dez mesmo? Não. Dez vezes quer dizer: deixe-se pela vontade de brigar e brigue até se tornar bem claro que você, ela ou os dois estão se repetindo. Aí não brigue mais aquela briga.

O que fazer se você estiver estourando de raiva? Vá dar um passeio, use mordaça, chute almofadas, vá torcer no estádio de futebol ou veja um filme do Rambo. Qualquer ação é ótima, menos a agressão física a ela e a repetição da briga.

Vou demonstrar o valor da regra analisando seu contrário - a repetição das brigas, na certa e de longe a mais comum e ao mesmo tempo a pior maldição e o maior desespero da vida amorosa e familiar. "Como sair deste inferno?" é o pensamento/sentimento de todos os envolvidos, inclusive dos que "ganham" a briga (se é que alguém ganha alguma coisa com isso). Como sair do inferno das repetições?

Fazendo diferente, não é? Se o mal está na repetição, pelo amor de Deus não repita. Só seres humanos fazem assim - repetir cegamente comportamentos dolorosos e inúteis. Masoquismo socialmente condicionado. Difícil não é entender - difícil é fazer, como assinalamos desde o começo.

O mais fácil nessa situação difícil é sair da arena - afastar-se, sair de casa, dar uma volta, visitar um amigo, ir a um cinema. É o melhor que se tem a fazer.

Quando você voltar - se voltar - vai se sentir diferente, possivelmente mais aliviado e com certo senso de senhor da situação - ao invés da vítima (vítima da raiva que o impelia a brigar, até contra sua vontade).

Pode dar-se, então, de você olhar para ela com outros olhos - menos prevenidos - e iniciar-se assim outra relação entre os dois, o que seria ótimo. O povo conhece a caricatura dessa descrição. É comum ouvir: o melhor da briga é a reconciliação. Mas de novo e sempre, nas brigas comuns, repetidas, não ocorre mudança mas apenas desabafo.

Na segunda-feira recomeçarão - como sempre… Caso ao voltar você se sinta mal outra vez, e mais uma, e mais uma, cada vez com mais vontade de recomeçar a peleja, aí começa uma separação e depois de cinco a dez repetições, por amor a você tanto quanto por amor a ela, afaste-se!

No mínimo dê um tempo. Quanto tempo? Até você ou ela sentir falta do outro e, pondo o orgulho no lixo, dizer ao outro que deseja recomeçar. Veja bem: recomeçar, e não continuar.

Após dias ou semanas de separação, ao voltar vocês se tornarem e, se atentos, se sentirão diferentes um com o outro. É como se começasse outro encantamento amoroso - outro namoro, agora entre duas pessoas que não são mais as… antigas. Aí pode começar outra briga - outra, entendeu?

Se durante o afastamento você se esquecer dela pouco a pouco, sem nenhuma vontade bem clara de revê-la, então o namoro acabou. Mas olho no orgulho, o pior inimigo do amor por ser a pior caricatura do amor por si mesmo.

Desse modo o amor vai servindo ao desenvolvimento de suas aptidões e qualidades - boas e más, veja lá! As pessoas pensam sempre poder se apefeiçoar desenvolvendo o que têm de melhor e tentando acabar com o que têm de pior. Não é bom projeto, aliás, é impossível. Tudo o que somos tem mais do que razão de ser.

A função número 1 de todos os seres vivos é a adaptação ao ambiente próximo. Em vez de se condenar por algum "defeito", tente isolá-lo, examine-o com vagar e veja se ele de fato não serve para nada. Com paciência, você descobrirá que em certas circunstâncias, ou bem usado, esse defeito funciona com qualidade.

A inveja pode ser um poderoso estímulo no desenvolvimento, o medo pode ser um ótimo conselheiro (se não exagerar), a raiva é essencial como instrumento ou energia para a autodefesa - para dar alguns exemplos.

Além de ter razão de ser, muito do que temos ou somos pode ser bem ou mal usado, mas não muito modificado. Quando pretendemos torcer demais uma de nossas aptidões ou um "defeito", ele pode se vingar. Muito da psicanálise consiste em mostrar o que aconteceu com você quando não permitiram que fizesse assim porque mamãe proibia ou porque o patrão não gostava ou porque sua mulher abomina.

Voltamos aos vários cursos do amor. O ciclo afastamento/ aproximação pode ocorrer muitas vezes, sempre, neurótico (repetitivo) ou transformador (criador). - Mas, Gaiarsa, se podem ser muitos ciclos, por que não casar? Isso não pode acontecer dentro do casamento?

- Pode, mas é difícil demais. Primeiro porque afastar-se quando você é namorado e tem sua casa é fácil. Ao casar você tem de ficar lá - o que é péssimo. O afastamento físico periódico pode ser a garantia de saúde do amor, pois, ao voltar, voltam os dois com vontade.

Sem contar que é mil vezes melhor afastar-se do que repetir pela milionésima vez as mesmas frases e caras de raiva. - Não é? Afastamento físico significa: de corpos e de espaço - não adianta nada estar em quartos separados na mesma casa! É preciso que a separação seja tida como definitiva, mesmo que seja a trigésima - a para isso a distância efetiva é imperativa.

Se não há desligamento, não há transformação. Só a distância podemos avaliar quanto precisamos, gostamos, desejamos, sentimos saudade - em suma, quanta falta ela nos faz.

Quando próximos, é dificílimo abafar as rusgas e os atritos crônicos a ponto de poder sentir quanto há - ou quanto resta - de bom no relacionamento. Tão ruins quanto as exigências ideais do casamento são as exigências convencionais, ainda mais restritivas do que as poucas paredes do lar, transformando-o em prisão com vigilância contínua ( dos vizinhos, parentes, amigos...).

Ainda hoje, separar não pode - e custa demais, em dinheiro, em sentimentos, em rancores. E então, como separar às vezes não pode, os atrasados vão-se empilhando, as brigas azedando, os rancores se adensando até o grande dia da separação definitiva - a legal.

Se as pessoas tivessem um pingo de sensatez, e não tivessem sido completamente robotizadas pela propaganda a favor da família, perceberiam quanto separar-se várias vezes é bem melhor do que separar-se de uma vez. Mesmo porque, tantas vezes e para tantos, acontece assim mesmo.

Mas com muito azedume, muito sofrimento, ambos achando que fracassaram na vida ou que "aquele bandido é o culpado de todos os meus sofrimentos". O sofrimento é grande porque somos todos culpados.

Na separação as pessoas ou se sentem pesadamente culpadas ou acusam demais o outro. Porque carregar a cruz pessoal é possível, mas carregar a cruz coletiva é pesado demais.

E separar uma da outra não é fácil. Quem se separa de regra não acredita seja o casamento difícil ou péssimo, mas que o seu casamento foi ruim - ele não teve sorte... Mas a Família continua sendo Maravilhosa! A separação periódica não exclui a definitiva, mas mesmo então ela amenizaria uma passagem de vida sempre por demais sofrida.

A solução é boa para todos - para os filhos também. Não há pior veneno para a alma do que ser obrigado a conviver, sem alternativas, com pessoas que se odeiam, desprezam, se ofendem e se humilham - quando não chegam a se espancar. Nem mesmo quando dois, mais civilizados, acreditem poder disfarçar.

Os pais são importantes demais para as crianças, e por isso elas não se enganam - nem podem ser enganadas - quanto ao que estão vendo na cara, nos gestos e ouvindo nas vozes. E fazendo de conta que não estão vendo - como os adultos esperam ou acreditam. Até nisso elas são muito mais obedientes do que se crê: fazem o que você gostaria que fizessem - se fingem de bobas para tranqüilizá-lo.

Depois, em suas vidas farão o mesmo, ou o contrário. Orgulhar-se-ão disso ( de ser o pai autoritário ou a mãe submissa ) ou lutarão contra isso a vida toda. Essa é a história mais ouvida em todos os consultórios de psicoterapia do mundo - a dos filhos cujos pais não se separaram apesar dos maus sentimentos.

Cansei de ler sobre as desgraças que acontecem com filhos de casais separados até o dia em que ouvi de uma pesquisa americana (1996/7) de grande amplitude o que acontece com filhos de casais briguentos ( e quais não são? ) que não se separam.

Em cerca de 3.500.000 ( é isso mesmo, três milhões e quinhentos mil ) casais americanos, há violência física, e a pesquisa mostrou que os filhos exibem todos os sinais de uma neurose de guerra: alheados, "nervosos", desinteressados, bonzinhos demais ou rebeldes incontroláveis, todos praticamente inadaptados sociais irrecuperáveis.

Para crianças - aliás, para qualquer pessoa - é melhor viver em dois mundos disponíveis do que em um só, sendo bem recebida nos dois, vendo duas pessoas que se desentendem mas se respeitam e estão fazendo o possível para reacertar.

Os filhos não poderiam ter melhor lição de vida do que essa. Lição de coragem, com baixo nível de encenação e hipocrisia, com certo realismo e honestidade diante de sentimentos, aceitando-os como são, sempre diferentes, flutuantes, vivos.

O que os pais se permitem, os filhos se permitirão - e vice versa. Já antes e muitas vezes, daqui para a frente, iremos alinhando sugestões para que uma relação pessoal possa dar tudo o que pode dar, enriquecendo e ampliando a consciência de ambos ou facilitando um afastamento quando for o caso; afastamento sem culpa e sem acusações recíprocas.

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